22.2.24

Horizonte indefinido




Muitos já disseram que estamos não apenas em uma época de mudanças, mas uma mudança de época. Em todo o mundo, se fala em crise econômica, desemprego estrutural, aumento da pobreza, violência urbana, migrações desordenadas e um abalo fundamental nos valores éticos e sociais. A crise ecológica ameaça o futuro do planeta. A urbanização do mundo e a nova sociedade baseada no conhecimento e na informática mudaram radicalmente a cultura, a economia e a forma do ser humano relacionar-se consigo mesmo, com o outro e com a natureza. Nós vivemos este momento de transição de um tipo de civilização a outra.
     É difícil definir os contornos precisos da crise e como esta se expressa. Além do desastre que o capitalismo neo-liberal tem provocado, percebemos que há uma mudança de cultura na forma se relacionar com presente, o passado e o futuro. Na obra “Le Christianisme a-t-il son temps?”, Jean-Marie Ploux distingue três etapas da humanidade: a da tradição, a da modernidade e a da relatividade. Até o século XVIII, a cultura era medida pelo seu passado. O presente era refém do tradicionalismo. Com o Iluminismo e o Marxismo, o presente aspirava orientar-se à luz de construções ideológicas do futuro. Com o fim das ideologias, o presente vacila. Falta um horizonte definido. Parece que as pessoas vivem o momento presente, sem projeto definido e sem perspectivas maiores do que o aqui e agora. Embora muita gente tente se defender no presente agarrando-se ao passado, o mundo parece um imenso avião cruzando o oceano da vida, sem radar nem acesso aos instrumentos de navegação. Não temos mais bússolas, a não ser o aqui e agora. Diante disso, qual a reação dos educadores e educadoras? Há quem procure salvação na lei e nas estruturas. Parece que os movimentos que mais crescem no mundo atual são os movimentos fundamentalistas, tanto no plano religioso, como no plano social e no nível político. A própria sociedade tem esta tendência em tempos de crise. Em vários países, jovens são mais conservadores do que seus pais.   
     Quem descobriu com São Paulo que a salvação não poderá vir da lei, sabe que a rigidez, o conservadorismo não vai mudar nada, a não ser as aparências e ainda com o risco de tornar a sociedade menos adaptada ao mundo atual. É preciso assumir os riscos, superar o medo e a tendência de ficar na defensiva.   
     A filósofa e espiritual Simone Weil afirmava: “Conheço quando alguém é de Deus não pela forma como fala de Deus, mas pelo modo como se relaciona com a vida e com o mundo”. Poderíamos, hoje, dizer isso não apenas sobre Deus, mas sobre a espiritualidade como abertura ao outro e disponibilidade de sempre aprender do diferente. É um principio de vida, um modo de viver e no qual nos comprometemos amorosamente com o outro. 
     Para isso, não há receitas.

 

 

O toque




Conta uma lenda árabe  que um  rapaz e uma moça andavam por caminhos diferentes. Em um determinado trecho, os dois caminhos se cruzavam, o que provocou o encontro dos jovens. Após uma pequena apresentação, os dois resolveram, a partir daquele momento, caminhar juntos. Depois de algum tempo, avistaram uma alta montanha. Para atravessá-la, os viajantes deveriam passar por um túnel. A moça parou à entrada do túnel e disse ao rapaz: "Eu não entrarei com você neste túnel!" "Por que não?", perguntou o jovem. "Você poderia me abraçar e dar um beijo!", respondeu a moça. "Como eu poderia fazer isso?", tentou se defender o jovem, "eu tenho uma mochila nas costas, meu cajado em uma das mãos e na outra minha ovelha!" Mas a moça continuou a manter sua opinião: "Você poderia me pedir para segurar a ovelha, fincar o cajado no chão e jogar a mochila em um canto e então estaria livre para, por exemplo, me beijar". O jovem olhou a moça, com admiração, durante um determinado tempo e finalmente disse: "Que Deus abençoe sua sabedoria!" Logo em seguida os dois entraram no túnel!
    A nossa compreensão sobre a realidade é sempre influenciada por fatores que a ampliam ou a limitam. A amplitude ou limitação do conhecimento sobre as coisas está sempre relacionada com o poder de ver e sentir o conteúdo do momento presente. Os nossos horizontes, porém, são ampliados não somente pelas novas experiências que fazemos, mas também à medida que compartilhamos nossas idéias com outras pessoas. Cada encontro com outros seres humanos é, portanto, uma troca de visões diferentes da realidade.


 

21.2.24

Quaresma 2024



Vida em justiça

Não acredito na era social do homem, nessa espécie de fraternidade legal, com suas regras e seus guardas, mas na vida do reino livre e vitorioso do amor. O que é preciso, o que determinará tudo, o que tudo resolverá, é amar-se. Realmente, fraternidade legal não livra da escravidão, isto é, a tendência tão humana de dominar o outro nos vários campos das manifestações humanas. Não basta uma legislação impecável para que o comportamento humano seja impecável. E eu penso: nós reformamos e atualizamos nossos estatutos e nossa legislação. Elaboramos peças que, como indicadores de caminhada, são excelentes. Todas elas geradas com cuidado, estudo, trabalho, capacidade e muita esperança. Mas quem as vai pôr em execução é o homem. E o homem melhora de dentro para fora. Se no fundo dele mesmo não plantou o amor e não se deixou empolgar, então está dando origem a uma fraternidade legal, com a frieza e demarcação exata de toda legislação. "É o "ouvistes o que foi dito aos antigos ... "Nós, porém, somos convidados a concretizar o "eu porém vos digo ... ", onde não há contagem de passos, de peças, de horas de servir, de bocados de pão, de vezes de perdão. Onde a justiça é uma visão nova do outro e consequentemente, não resta mais lugar para um dominar o outro, porque "aquele dentro de vós que tiver desejos de ser omaior, torne-se o servo dos outros", ainda mais quando Paulo diz: "não há servo ou homem livre, varão ou mulher" (Gl 3,28).

É o momento da igualdade!..


 

O olhar de Francisco


A síntese do ensinamento do Papa Francisco durante os dez primeiros anos de pontificado,  é o de redirecionar o olhar católico para os seres humanos que carregam problemas diversos, na quase totalidade produzidos pela própria sociedade, direta ou indiretamente.
Quem são?
São os que moram nas ruas, os idosos esquecidos, os encarcerados, os prostituídos, os doentes e os deficientes, os jovens sem perspectiva de futuro, os dependentes de álcool e da droga. Uma lista que parece não ter fim. Francisco insistiu que precisamos procurá-los. Eles estão pertos de nós ou mesmo, muitas vezes, dentro das nossas casas.
Francisco nos convida a olhar pessoas que são incômodas. Preferimos evitá-las. Mudar de calçada. Diminuir o passo ou acelerar o carro, como quem não viu. À semelhança dos que passaram pela estrada de Jericó, naquele dia em que um homem tinha sido assaltado por ladrões.
O olhar de Francisco, Bispo de Roma, é para aqueles que são postos à margem. Eles aparentemente nada tem para dar. Estão precisando receber.  E isso é incômodo. Nos incomoda porque exige atitude e, mais que tudo, exige tempo.E o tempo é o que mais regateamos em dar. Porque o tempo é a vida. E a vida é o que mais apreciamos. No momento de reparti-la com os outros, ai Jesus! Nós a queremos só para nós.
Francisco durante 10 anos pediu à Igreja para abandonar o comodismo. O comodismo é uma tendência da natureza humana. A modernidade alimenta o comodismo. Ele torna a Igreja obesa e dificulta cada vez mais o homem sair de si mesmo.
O olhar de Francisco, Bispo de Roma, dirige-se preferencialmente para cegos, surdos, mudos, aleijados e todas as outras modalidades de limitação. O olhar de Francisco choca a nossa tranquilidade. Estamos mais acostumados com aparelhos de última geração que quando não funcionam trocamos por outros mais novos ainda. E esses tipos humanos não funcionam bem...
Francisco, Bispo de Roma, indiretamente nos disse que uma cidade olhada do alto de um monte (mesmo que esse monte seja o Corcovado), olhada de cima não mostra os dramas que os telhados escondem. O Papa Francisco com sua atitude pastoral fez um convite a por o pé no degrau e penetrar pela porta.
Francisco, Bispo de Roma, reafirmou que o dinheiro é o grande rival de Deus. São muitas as razões que o ser humano procura para estabelecer divisões: a raça, a cor da pele, a cultura, a religião, a profissão, a idade. Nenhuma delas, porém, é tão funda e cruel como o dinheiro. Divide as nações dentro de si mesmas, colocando barreiras impermeáveis e intransponíveis entre classes privilegiadas e classes oprimidas, entre a fartura e a fome. O homem adora o dinheiro e se esquece de Deus.
O olhar de Francisco, portanto, está voltado para o excluído de tudo aquilo que é humano. Afinal, foi para esses excluídos de tudo que é humano que Jesus Cristo voltou o olhar quando esteve entre nós.
Glória Deus nas alturas. Na terra, paz. Paz e Bem! Francisco abençoe a todos e a quem isto leia. Amém.
 

20.2.24

Mulheres que seguiram a Jesus



Maria, a Egípcia
Muitos monges e monjas egípcios começaram sua vida monástica a partir de experiências de conversão. A decisão de viver somente para receber a misericórdia de Deus foi para eles o início de uma vida nova, cujo objetivo principal era tornar real e presente esta misericórdia divina em suas existências. Esta nova vida se realizaria então no deserto, sob uma disciplina e ascese rigorosas, e ao mesmo tempo, sob a confiança total na graça de Deus. Como para os Pais e Mães do Deserto, o monge e a monja são entre os cristãos aqueles que mais se sentem necessitados da misericórdia de Deus, usualmente, há nestas narrativas o relato de pecados extremos e de arrependimentos extremos... Benedicta Ward, em seu livro Maria Magdalena e outros relatos, explica que ‘o momento da conversão, assim com os detalhes da vida precedente e sucessiva são enfatizados na obra narrativa para sublinhar a necessidade de redenção em todo ser humano e o poder redentor da misericórdia de Cristo para com todos’. Escrita por São Sofrônio, ‘A Vida de Maria Egipcíaca’ pertence à tradição monástica por ser um dos textos chaves do que se pode chamar de ‘literatura de conversão’, cujo tema principal é a consciência da necessidade da misericórdia de Deus.
A vida de Maria Egipcíaca’ é composta de duas partes. A primeira trata da vida e conduta de Abba Zózima, monge sacerdote da Palestina, e a segunda da vida de Santa Maria Egipcíaca contada por ela mesma ao Abba Zózima, quando os dois se encontram no deserto. O relato da história de sua vida é, em si mesmo, o maior ensinamento de Maria Egipcíaca. A sua história combina elementos de várias fontes, por trás das quais há prostitutas e penitentes, que existiram de fato. Segundo Benedicta Ward, ‘por trás do gênero literário estão presentes numerosos detalhes históricos : a existência em Alexandria e em Jerusalém, como na maior parte das grandes cidades, de mulheres que se prostituíam e, também o dado de que o impacto do cristianismo no Egito e na Palestina assumiu frequentemente a forma de fuga para o deserto’.
Na história de Maria Egipcíaca, há um interessante contraste entre Abba Zózima, um monge sábio e piedoso e a pecadora Maria, que recebe de Cristo o dom da salvação sem nenhuma boa obra, simplesmente pela grande consciência que tinha da sua necessidade de salvação. Aqui volta a pergunta fundamental dos Pais e Mães do deserto : ‘O que devo fazer para ser salvo?’ Maria foi para o deserto para ser salva, e sabia disso. Graças ao seu arrependimento, à contrição de seu coração e à sua total confiança na misericórdia de Deus, ela se transformou naquilo que Abba Zózima desejava ser e não conseguia, pois, no seu íntimo, ele acreditava que alcançaria a salvação com suas próprias obras. Por isso, caía no orgulho, pois pensava consigo :
Haverá sobre a terra algum monge que possa ensinar-me algo de novo, alguém que possa me ajudar a conhecer algo que ainda não conheço ou que tenha feito alguma obra na vida monástica que eu não tenha feito?
Como Deus não quer que o monge seja somente como um servo zeloso, mas que seja um amigo com quem possa falar ao coração, Abba Zózima foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto, onde, a partir de seu encontro com Maria Egipcíaca, adquiriu um olhar novo sobre Deus, e esta abertura dos olhos espirituais lhe permitiu contemplar e compreender os caminhos de Deus.
Maria Egipcíaca começa o relato de sua história dizendo :
Minha pátria é o Egito. Enquanto ainda viviam meus pais, aos doze anos de idade, desprezando o afeto deles, fui para Alexandria, e me envergonho somente em pensar como permaneci subjugada pelo vício da luxúria.
Para Hierome Nicolas, ‘esta idade indica a mudança de um status social. A criança não é mais considerada como tal embora não tenha ainda totalmente as prerrogativas de uma pessoa adulta. Como em todas as mudanças, as passagens da vida social e a aquisição de uma liberdade nova, embora limitada, é ocasião de uma crise que afeta não somente a adolescente, mas também o seu meio’. Por isso, ele conclui, a raiz do pecado de Maria Egipcíaca é uma revolta profunda em relação a seus pais, todavia não conscientizada. Ao negar o afeto paterno, ela nega a paternidade de Deus. O pecado de Maria Egipcíaca, mais do que uma violação de uma ordem moral ou social, é uma ruptura da comunhão com Deus que a deixou seguir livre seu caminho, confiada às suas próprias forças.
Maria Egipcíaca seguiu sua experiência de ateísmo vivendo uma vida irresponsável, sem ter o domínio de seus sentidos e paixões. Até que um dia, por pura curiosidade, se uniu aos peregrinos, ‘uma multidão de líbios e egípcios’, que iam de Alexandria para Jerusalém. Ela perguntou a um dos peregrinos : ‘Para onde vão correndo estes homens tão rapidamente?’ E este respondeu que todos subiam ‘para Jerusalém, para a Exaltação da Santa Cruz’. Ela se uniu à tripulação do barco, pagou a passagem com o próprio corpo, e atravessou Mar Mediterrâneo em direção à Terra Santa. Chegando o dia da Exaltação da Santa Cruz, Maria foi com os peregrinos à Igreja do Santo Sepulcro onde estava exposta a relíquia da verdadeira Cruz, mas foi impedida de entrar na igreja, como que por uma força invisível, ‘como se um exército de soldados tivesse sido pago para impedir meu acesso’, ela explica. Foi então que Maria percebeu sua excomunhão :
Finalmente, diz ela, ficou claro para mim o motivo pelo qual me era proibido ver o madeiro vivificante. Com efeito, o conhecimento da salvação havia tocado minha mente e os olhos do meu coração, ao me dar conta de que eram as miseráveis desordens de minhas ações que me impediam de entrar. Comecei então a sentir-me fortemente perturbada e golpeando o peito, suspirava desde o profundo do meu coração, gemendo e lamentando.
Vendo a imagem de Nossa Senhora, orou para a Mãe de Deus para que a ajudasse e rompeu em lágrimas. Na manhã seguinte pôde entrar na igreja e venerar a Santa Cruz. Depois deixou Jerusalém, atravessou o Jordão e seguiu para o deserto, onde viveu por dezessete anos, em contraposição aos dezessete anos que viveu na luxúria.
No átrio da Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém, Jesus Cristo veio ao encontro de Maria e, mostrando-lhe a luz verdadeira, libertou-a. No momento de sua conversão, as lágrimas derramadas foram sinal de que a invasão do Espírito Santo provocou a abertura de seu coração. Ela aceitou seu coração como o lugar onde o Espírito Santo pôde fazer sua obra. A partir de sua conversão, Maria convergiu todo o seu ser de pecadora para o amor de Deus que a salvou. O sacrifício de Maria Egipcíaca foi aceito por Deus, e uma vez reconciliada, se reintegrou na comunidade. Paradoxalmente, ela saiu vitoriosa por causa de sua fraqueza, pois sustentada pela rocha que é o Cristo, e com a intercessão de Nossa Senhora, ela restaurou a sua virgindade espiritual e voltou a ser ela mesma, tal como Deus a desejou dede a criação do mundo.
É rica a simbologia que expressa a nova vida de Maria no deserto. Ela fez a experiência da fé e pela fé foi introduzida no mistério de uma existência eucarística, por isso quando foi para o deserto, Maria levou consigo três pães, que como os pães do profeta Elias, nunca acabaram. Com a travessia do rio Jordão, símbolo do Batismo, ela se expôs à ação salvadora de Jesus Cristo. No deserto ela foi Teodidata, isto é, ensinada por Deus, e introduzida no conhecimento das Escrituras sem saber ler. A ascese do deserto e a graça divina deram a seu corpo tal leveza espiritual, que ela pôde atravessar o Jordão caminhando sobre as águas.
Antes de Maria Egipcíaca falecer, Abba Zózima levou para ela a eucaristia e ela comungou, terminando sua vida em total comunhão com o Senhor. Era época da Páscoa quando Zózima encontrou o corpo da santa com as mãos voltadas em oração para o Oriente. Como o verdadeiro eremita está em comunhão com a Igreja, a inscrição na areia encontrada ao lado do corpo da santa revela a união entre a vida eucarística e pascal de Maria no deserto e a Igreja :
Enterra, Abba Zózima, o pequeno corpo da miserável Maria. Restitui à terra o que é seu e junta o pó ao pó. Somente ora por mim, em nome do Senhor, que faleceu neste primeiro dia do mês de Pharmuti, segundo os egípcios, e que segundo os romanos é o nono dia, quer dizer, o quinto dos idos de abril, o dia da Paixão salvífica, depois da Comunhão da divina e sagrada Ceia.
Zózima lavou os pés da santa com suas próprias lágrimas, como a pecadora do Evangelho lavara os pés de Jesus, pois seu coração fora tocado pela compunção. Como já era avançado em idade, - ele morreria logo depois de Maria - Zózima não tinha forças para cavar a sepultura. Mas eis que no meio do deserto apareceu um leão manso, que fez este trabalho para Zózima. Um leão pacificado, assim como as paixões de Maria e o coração de Zózima. Em presença do leão, Zózima cobriu o corpo da santa com terra e fez as orações. Em seguida cada um tomou seu rumo : o leão adentrou no deserto, e Zózima voltou ao seu mosteiro ‘bendizendo e louvando a Deus, e cantando um hino em louvor a nosso Senhor Jesus Cristo’, pois viu ainda uma vez mais a evidência da ação do Espírito Santo na vida daquela serva que tanto agradou a Deus, Maria Egipcíaca.
Uma vez que um olhar sobre as Mães do Deserto pode apresentar a realidade do arrependimento e da salvação, com profundidade e clareza, a história de Maria Egicíaca, por sua vez, consegue transmitir a verdade teológica da salvação com um rosto humano para os leitores e ouvintes de todos os tempos. Além disso, estas mulheres tinham consciência do poder da ação de Deus na vida do cristão por meio da sua Palavra, por isso Maria Egipcíaca diz que ‘a Palavra de Deus, viva e eficaz (Hb 4,12), instrui a inteligência humana desde o seu interior’. Uma leitura orante da vida de Maria Edipcíaca com certeza pode trazer muitos bons frutos para nossas jovens de hoje, especialmente por conduzí-las a uma experiência da misericórdia de Deus, que converte e purifica os corações. Por este motivo, a Igreja do Oriente celebra Maria Egipcíaca no V Domingo da Quaresma como modelo de contrição. Em seu Cânon ela reza : ‘A força de tua cruz, ó Cristo, operou maravilhas, por até esta mulher, que outrora foi prostituta, escolheu seguir o caminho ascético. Abandonada à própria debilidade, se opôs fortemente ao demônio, e obtendo o prêmio da vitória, intercede por nossas almas’. Amém.

 

13.2.24

Pérolas Finas: O trabalho na tradição monástica beneditina (Capít...

Pérolas Finas: O trabalho na tradição monástica beneditina (Capít...: Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)  V – O período pós-tridentino    Quando começou a Reforma protestante, no in...

oração quaresmal de conversão



Deus conosco: carne da minha carne
Eu te peço:
Junte brasas ardentes na cabeça da intolerância;
Amole com a gota d´água da paciência e teimosia a pedra do coração duro, até que fure;
Tire a cegueira que não sabe enxergar a novidade que está em cada amanhecer;
Encubra e resgate a vergonha que a dita civilização faz ao ser humano nascido cachorrinho da História e lixo da humanidade;
Deus conosco: carne de minha carne
Nos perdoe a prepotência
A pisa da dor imposta
A mentira, morte e roubo programados
e justificados em nome dos ídolos, riqueza, honra e poder.
Deus conosco, carne de minha carne
Incendeie o mundo velho pra todos se reconhecer
Mundo-irmão, novo céu e nova terra
Onde carneiro e onça
Cobra e criança brincam juntos
Onde branco, amarelo e “de cor” se querem bem como
Filhos irmãos do mesmo Pai-Salvador.

 


 

12.2.24

Tempo


 A celebração do Carnaval encerra as celebrações do  Ano Novo guardando um elo permanente com a vida, a alegria, os planos, os sentimentos e as emoções mais queridas. Não é a toa que toda mensagem traz marolas de doçura, um leve eriçar de adrenalina que nos faz sorrir para tudo e todos. E pode acontecer que a gente nunca se esqueça de um réveillon por sua alegria, de como foi bom abraçar e beijar pessoas queridas, conhecer gente nova, querer bem, ouvir vozes e viver as mensagens do tempo em que ficamos um pouquinho crianças de novo, para agitar o corpo e aproveitar a boa vontade geral.
     E pode ser que afinal se queira fazer desse novo pedaço de tempo uma viagem nova, ver lugares diferentes, entrar em caminhos abertos fora das trilhas já tão pisadas de sempre. O dia-a-dia vai endurecendo uma casquinha em volta das coisas que se repetem; os atos habituais, obrigatórios, automatizados, vão tomando um lugar mais extenso e, antes que a gente se aperceba, engolem boa parte de nossa vida, escondem a espontaneidade, o prazer das pequenas coisas.
     Mas não é preciso esperar que chegue o dia. Se é tão bom quebrar a rotina e inovar, por que não fazer isso a qualquer momento, criando uma oportunidade?
     Velejar por outros mares, mesmo sem iate nem lancha. Mesmo sem sair de casa, do escritório, do carro que não foi trocado, do metrô, do ônibus nosso de cada dia. O que tem que mudar não é o lugar, o que está fora e não depende só de nossa vontade. Dá pra ver com outros olhos, de outro ângulo. Viajar descobrindo o novo, o diferente. Reavaliar o que sempre consideramos desimportante ou indigno de atenção. Pôr à prova nossas convicções inabaláveis, nossas certezas absolutas; questionar as "questões de honra" que, fala sério, acabam nos tornando uns chatos até para nós mesmos. Olhar com olhos de ver as pequenas belezas que cruzam o caminho, atentar ao canto fugidio de pássaros nas árvores da calçada em frente da janela; no riso, na voz, na fragilidade das crianças; em cores, sons e aromas que deixamos passar e podem ser uma fonte de prazer sensível. Reparar nos outros, não com olhos de crítica ou desdém, como tantas vezes acontece, mas para notar o que cada um tem de pessoal e diferente – uma voz bonita, gestos agradáveis de ver, um andar desenvolto, uma beleza física qualquer, um olhar caloroso, um sorriso bom de olhar. Voar nas asas da música à qual temos negado a terminação mais sensível do ouvido, do livro que ainda não lemos, do quadro que não olhamos com atenção, e até de uma fachada bonita, um telhado maneiro, sem outro interesse que contemplar, ganhar alguma coisa que o dinheiro não compra.
     Estar em casa, no trabalho ou na rua não significa estar preso, atado, limitado. A não ser que se prefira ficar repetindo “não gosto, não quero, nunca experimentei e não vou começar agora”, há um jeito mais leve de levar a vida. Perceber que a liberdade interior é sem limites é um passo decisivo. O prazer de viver, que parece desbotado porque a vida em volta de nós cegamente se repete, forma uma nuvem espessa, um calo – esse prazer se redescobre e até nos espanta, logo que se fura a casca da rotina e se inaugura um ano novo particular. Nada complicado, nem caro nem inatingível. Basta estar viv

 

Barbitúrico



 Dopado pelo sentimentalismo exagerado e temeroso de estar sendo tomado de assalto pelo ilusório, pouco repouso tenho dado à mente. Escrever é ainda o melhor meio que encontro para sentir-me mais leve e ter condições de pensar livremente, seguindo o eco das palavras na mente.
            Às vezes acho-me em ponto de ebulição e guiado pelo estado do espírito admito ser o melhor momento pra destampar a cabeça e deixar que saia o vapor, quer usando as mãos para escrever ou curar, a boca para cantar e ensinar, os ouvidos para ouvir...
            Os melhores momentos são aqueles em que ao som de um clássico deixamos o corpo bailar embalado em total liberdade: é uma saudação ao espírito. Todos e cada um bailamos seguindo cada qual seu som e sua linha de pensamento.
            Estou aqui melancólico ao lado de um arbusto (tão em moda nas salas) com Wagner e sua música. É como se estivesse entre dois mundos. Wagner exalta as exigências da alma e convida a uma viagem pelo mundo do espírito, incentivando-me a abraçar a luta e a abandonar meus apegos. Do outro lado, a serra, a natureza, o colorido exuberantes dos ipês levando-me de encontro à solitude e ao confronto comigo mesmo. E ainda vacilo. Reconheço que o melhor está aí diante de meus olhos, é o mais belo e o mais simples. Seguindo o pensamento, no entanto, vamos onde queremos ir, como queremos e com quem queremos. Talvez seja por isso que o mundo se encontra “neutro” em termos de vida. Falta-me ação, falta-nos empunhar a espada que divide, a libertadora!
 

Religião do Templo


 A Igreja Universal do Reino de Deus construiu no bairro do Brás o Templo de Salomão. É o maior templo do Brasil. A construção tem 75 mil metros quadrados. Custou oficialmente 680 milhões de reais e pode acolher até 10 mil pessoas. Um símbolo bíblico para um projeto que pouco ou nada tem a ver com a Bíblia nem com o projeto de Deus para as Igrejas.
    Não estou sendo anti-ecumênico ao afirmar isso. Os profetas bíblicos denunciavam a religião do templo e os cristãos dos primeiros tempos não tinham templo. Oravam a Deus e se reuniam nas casas. Claro que as comunidades gostam de terem lugares bons e confortáveis para suas reuniões, mas o templo de Deus somos todos os seres humanos e não a casa de pedra. O profeta Isaias já dizia que Deus, o universo inteiro não pode conter. Como iria morar em uma casa de pedra? Is 66, Jr 7 e outros. 
   Tomara que os grupos católicos que fazem de tudo para imitar os neopentecostais em seus programas de Tv e em sua teologia de Cristandade medieval não resolvam também fazer a versão católico carismática do Templo de Salomão com algum dos padres showsmans no lugar do bispo da Universal. 

 

Imagem feminina e maternal de Deus



 Na celebração da liturgia católica de Nossa Senhora Aparecida o Evangelho da missa escolhida para essa festa é a história das bodas de Caná (João 2, 1- 12). A festa de casamento na qual Jesus transformou água em vinho foi o primeiro sinal que ele deu aos discípulos a respeito de sua missão e de sua identidade de enviado de Deus. Penso que esse evangelho foi escolhido para dizer que na vida do povo católico brasileiro a imagem de Aparecida foi também um sinal do amor divino e da proteção que Deus quer nos dar, através dessa relação dos fieis com Maria. 
    É bom pensarmos a fé como uma festa de casamento, mesmo se a nossa relação com Deus deveria ser mais íntima ainda e mais interior (Deus em nós) do que um ato conjugal. De todo modo, a alegria, o amor e a imagem da fecundidade presente na festa de casamento são parábolas da nossa aliança de intimidade com Deus. E o vinho abundante e sem medidas é também um sacramento dessa alegria ou dessa embriaguez de amor. 
    Às vezes, ao pensar na devoção do povo católico a Maria, penso que o objeto dessa devoção é uma imagem feminina e maternal de Deus e não tanto em si a figura histórica da mãe de Jesus. E assim como na parábola das bodas de Caná, Maria faz com que seu filho antecipe sua hora (sua missão e o anúncio de sua Páscoa) só para dar alegria e restituir a dignidade a uma família pobre que não tinha mais vinho para a festa, também, hoje, essa relação filial com Maria é instrumento da relação de aliança pascal com Deus, através de Jesus. 

 

A alma



    No início deste ano, voltando do litoral,  uma família próxima perdeu a mãe em um acidente de carro. Uma tragédia. Sofrimento imenso. Uma das filhas tem um filhinho de seis anos que pergunta pela avó e quer saber o que acontece quando a pessoa morre. O que responder? "Virou uma estrela". "Foi para o céu para junto de Deus" são respostas comuns do pessoal mais ligado à fé. Mas, mesmo sem fé, como dizer a uma criança:  acabou e foi enterrada? Descobri que esse problema não é só para crianças. Mesmo os adultos perguntam que sentido tem a vida se ela é tão frágil, tão incerta e em um segundo pode acabar. O que é a alma? Existe mesmo? É imortal? O que existe depois da morte? 

        Temos de ser humildes e confessar que não somos donos desses assuntos. De minha parte  tenho procurado ler as tradições antigas tanto das religiões negras e indígenas, como da Bíblia e também ler autores atuais e o que pode dizer sobre isso a filosofia atual.  Vitor Mancuso, filósofo italiano e doutor em teologia ( bem conhecido na  Europa e lido  também no Brasil), escreveu: "A alma e o seu destino". É um livro grande em italiano, difícil de ler porque tem muitas citações. Mas estou “macarronicamente” lendo e tentando fazer anotações  em português. 
Caso consiga, mais pra frente partilho em outra crônica.

11.2.24

Crônica de Carnaval



Dona Luzia é uma figura ímpar. Usa, como bom costume ruralista, calças compridas sob o saia. Lenço na cabeça. Rugas na face. Sorridente com todos os dentes. Lembra um filme de Glauber Rocha, mas em gênero comédia. Mora nos confins do antigo Eleutério onde cria porcos soltos em forma de pasto. Tem atitudes engraçadas, que lhe são sempre perdoadas, pela figura. Tem-me em alta conta por ter-lhe acompanhado ao INSS quando obteve um BPC. Trabalha imenso no pomar do sítio, na sua horta de passatempo. Pereiras, lixías, laranjas,  couves, batatas, cenouras, tomates. Passa por lá grande parte do tempo, que a vida está difícil e precisa estar ocupada para evitar pensamentos vãos ou pouco saudáveis. É generosa. Cultiva para si e para dar. Partilha o que tem e o que não tem. Por isso bateu-me sábado à portada casa da chácara com uma sacola na mão. Não eram mais que umas quinze ameixas que o peso da idade não suporta facilmente o peso de muitas ameixas. Mas a generosidade suporta quinze ameixas. Digamos antes umas ameixazinhas que, confirmei depois, possuíam uns sinais acastanhados da idade e do prazo. Trouxe pra vocês dois esta sacolinha. Não é muito, mas é de bom coração. Estava para  levar para os porcos, mas depois lembrei-me do senhor, e trouxe aqui com muita amizade. Aceitei-as com a mesma amizade, porque é importante  saber receber e aceitar. Mas recebi às pressas, para ter o tempo necessário de me conter. Contive-me até que ela deixasse a varanda e depois desatei às gargalhadas sozinho. Sim senhora, a consideração era tão genuína como castiça. Estava para as levar para os porcos, mas depois lembrei-me do senhor.
 

2.2.24

Palestina

 Como foi que perdemos o que (não) tínhamos?

que coisa foi essa que buscamos como imbecis?
em que lugar deixamos o que podia ter sido?
o grande que poderia ter sido por que escolhemos não ser?
quando foi que perdemos a nossa graça?
por que trocamos paraísos por um prato de vômito?
de que jeito achamos que o jeito era essa merda?
como foi que (não) olhamos e não vimos nada
onde havia tudo?
onde é que estávamos quando tivemos a chance?
mas como que deixamos que se fosse?
onde é que estávamos com a cabeça para que isso aconteça?
o que é que dissemos quando chegamos em casa?
como foi que ganhamos essa desgraça?
o que foi que (não) fizemos?

nemo scit

 Ninguém sabe o que é Deus

ninguém sabe o que é amor

só se sabe que Deus é amor
mas o que é amor ninguém sabe
nem ninguém sabe o que é morte
só se sabe que o sentir do orgasmo
se parece com o da morte
mas amor-te ninguém sabe
nem ninguém sabe o que é vida
se sabe Morte e Vida Severina
que é severa e assassina
mas o que é vida só se sente
mas ninguém sabe o que é arte
se sabe que a arte vem da vida
que vem do amor que vem da morte
(que vem de Deus se tiver sorte)
mas não se sabe que muita vida e muita arte
podem causar infarte.

efeitos & causas

Olhamos extasiados a máquina capaz de calcular o lucro que dará a próxima colheita de café.             Olhamos com frieza apática a pequena...