Desde a Antiguidade sempre se buscou uma maneira sistemática de abordar os textos sagrados. O grande teólogo e analista da Bíblia, Orígenes, foi um dos mais famosos nessa tarefa. Na Era Patrística, chegou-se a estabelecer um procedimento de leitura bastante sistemático, que estabelecia quatro sentidos das Escrituras: começava-se pela pesquisa do “sentido literal ou histórico” do texto, ou seja, o que diz imediatamente o “corpo” do texto que está diante dos olhos do leitor; daí se passava ao “sentido espiritual”, ou seja, o que de espírito se comunica naquele “corpo”. Se as Escrituras são obra divinamente “inspirada”, deve haver um “sentido mais pleno” que é realmente o “recado” intencionado pelo Espírito. Isso se buscava em três níveis: o “sentido alegórico” (nele também se inclui o que se chama de “sentido tipológico”, quando uma figura ou acontecimento do AT antecipa personagens e realidades que se dão no NT), ou seja, o que está em outro (“állos”) plano, para além da pura letra e, desse modo, nos fala acerca de Cristo e dos mistérios de Deus, revelados na história e em Sua Igreja; em seguida, de que modo o texto nos pode orientar na prática da vida de acordo com o que aprendemos de Jesus, a saber, como orientar nosso comportamento à semelhança de nosso Irmão maior e de quem O seguiu, é o sentido “tropológico” (o “caminho” prático, ético); finalmente, o que o texto pode nos dizer acerca de nosso destino, do futuro, de nossa plenitude, é osentido “anagógico” ou “escatológico” (o que está adiante e nos eleva).
Na Idade Média, particularmente a partir do ambiente monástico, se formulou a chamada “Lectio Divina”, ou leitura que nos introduz nos mistérios divinos. Começa-se pela “Lectio”, pela leitura atenta da letra do texto, para que nos possa penetrar. O passo seguinte é a “Meditatio”, a ruminação ou penetração do texto, momento em que se busca compreender a mensagem que nos é endereçada, é o passo em que cabe aquilo que chamamos de “exegese” ou compreensão do texto, mediante elementos que o aproximem de nós. Penetrar o texto, porém, nos provoca a sensação de estar diante de algo que nos ultrapassa, daí por que é como se interrompêssemos a leitura e tivéssemos de invocar o auxílio divino que nos abra para compreender de acordo com o Espírito, é o momento da “Oratio”, a oração que nos chama a escutar o Espírito. Finalmente, o texto nos conduz à “Contemplatio”, contemplação das obras de Deus narradas pelo texto, o que nos abre os olhos para perceber as obras que Deus já realizou na antiga História da Salvação e continua a realizar em nossa vida e em Seu mundo, por Ele criado; nosso mundo está em continuidade com o mundo antigo que nos é trazido pelo texto, e que é, em última análise, a Criação de Deus na qual estamos envolvidos/as como produto (obra particular) e, ao mesmo tempo, “macho e fêmea, imagem plural de Deus”, como cuidadores e cuidadoras de todo o conjunto (cf. Gn 1, 26-31; 2, 15). O texto de Gênesis nos convoca à mesma atitude contemplativa do próprio Criador: “E Deus olhou e exclamou: “Que bonito!” (cf. Gn 1 a 2).