29.1.24

Isto é para mim


Para Santa Teresinha obedecer à Palavra de Deus significava, na prática, seguir as boas inspirações.
A seu exemplo, o nosso programa espiritual depende em grande parte da sensibilidade às boas inspirações e da prontidão com que respondemos a elas. Uma palavra de Deus te sugeriu um propósito, colocou no teu coração o desejo de uma boa confissão, de uma reconciliação, de um ato de caridade; te convida a parar um momento o trabalho e dirigir a Deus um ato de amor. Não coloque trava; não deixe passar. ‘Timeo Iesum transeuntem’, dizia o próprio Agostinho ; como dizendo : ‘Tenha medo da sua boa inspiração que passa e não volta mais’.
Cassiano, um dos pais da vida monástica deixou-nos escrito: A nossa mente, dizia, é como um moinho; o primeiro grão que é colocado na manhã é o que continua a moer durante todo o dia. Apressemo-nos, portanto, a colocar neste moinho, desde o primeiro momento da manhã, o bom grão da palavra de Deus, senão, vem o demônio e coloca a erva daninha que durante todo o dia fará a moedura. A palavra particular que colocamos hoje no moinho da nossa mente é o proposto como lema do ano jubilar : ‘Sede misericordiosos como vosso Pai celeste é misericordioso.


 

símbolos



Três anos antes de sua morte, São Francisco quis celebrar de modo especial o nascimento de Jesus Cristo. O primeiro biógrafo de São Francisco, Tomás de Celano, descreve os seguintes preparativos : pediu licença ao Papa e depois convidou um homem chamado João, de boa fama e vida ainda melhor, ao qual deu as seguintes recomendações, quinze dias antes do Natal : ‘Se você quiser que nós celebremos no Natal de Greccio, é bom começar a preparar diligentemente e desde já o que eu vou dizer. Quero lembrar o menino que nasceu em Belém, os apertos que passou, como foi posto num presépio, e ver com os próprios olhos como ficou em cima da palha, entre o boi e o burro’. Isto, João preparou.

Quando se aproximou o dia do Natal, Francisco, os confrades e vizinhança, se reuniram. Vieram com tochas, alimentos e celebraram a missa no presépio. De forma simples e solene viveram os fatos de Belém. A iniciativa de São Francisco foi se divulgando e as representações do nascimento através das imagens de Jesus, Maria e José, o boi, o burro, os pastores, as ovelhas e os magos, com seus presentes, foi se tornando um costume comum entre os cristãos.

O canto ‘Noite Feliz’ é um símbolo sonoro. Foi composto em 1818, por F. Gruber, em alemão, na Áustria. Este canto impôs-se como canto de Natal no Brasil, não podendo imaginar-se uma noite de Natal sem ele.

Presentes nas decorações natalinas estão os sinos. São um meio de comunicação. Quantos se lembram, especialmente quem viveu nas cidades menores, da importância dos sinos. Avisam e convidam para as missas. Anunciam a morte de algum membro da comunidade ou ainda são um sinal de alerta. A sua ligação com Natal está em anunciar o nascimento de Jesus Cristo.

A ceia de Natal é a celebração da vida, do amor fraterno e da reconciliação em família. Grandes e felizes acontecimentos vêm acompanhados de festa e da partilha da comida. O Natal reúne e chama a família.

O Papai Noel é o menos cristão dos símbolos do Natal. Pode-se dar um sentido cristão nos presentes do Papai Noel. O grande presente que Deus Pai envia à comunidade, de forma gratuita e generosa, é Jesus Cristo, o Salvador. Este presente faz a verdadeira felicidade. Também é um incentivo à generosidade e à gratuidade. Dar de graça, algo para alguém, educa para o desapego e a partilha.

 

a humanidade divinizada



O tempo litúrgico do Natal convida-nos a recuperar a dignidade de cada ser humano, ao detectar a divindade que carrega dentro de si. A antropologia cristã de viés positivo poderia ser uma porta aberta para a superação do pessimismo que distorce a visão de muita gente, levando-as a rotular o semelhante de maneira incompatível com os anseios do Criador. Se fôssemos capazes de vislumbrar o divino que existe no mais íntimo de nós e no mais íntimo do nosso próximo, com certeza, estaríamos aptos para construir o mundo mais justo, humano e fraterno, ansiado por todos.

Por outro lado, o Natal confronta-nos com a enorme responsabilidade de reverter o processo de desconstrução da civilização, que caminha a passos de gigante e se torna visível, mormente, na banalização da vida e no desrespeito aos direitos humanos elementares. A recordação do nascimento de Jesus de Nazaré estimula as pessoas de boa-vontade a se empenharem, de corpo e alma, no restabelecimento da dignidade humana aviltada, para que, nelas, brilhe luminoso o clarão da divindade que carregam dentro de si. Ao se fazer humanidade e habitar entre nós, o Filho de Deus revelou a beleza escondida em cada ser humano.

Um pensamento lúcido de Santo Atanásio (séc. III-IV) – ‘Deus se fez homem, a fim de que o homem se tornasse Deus’ – ilumina o sentido do Natal. A isso, a teologia oriental chama de théosis, divinização ou deificação do humano. Cada Natal é um convite aos discípulos e às discípulas de Jesus para deixarem transparecer a riqueza da divindade, escondida no mais íntimo de si.’

 

Natal segundo Santo Agostinho



‘Com os sermões de Santo Agostinho sobre o nascimento do Senhor é possível reconstruir um presépio que recorda as reflexões do Santo sobre o mistério de sua aparição humana neste nosso mundo. É um presépio teológico ou cristológico onde a presença de Deus ilumina tudo, ao mesmo tempo em que projeta sombras profundas : Um mirante de grandes contrastes e paradoxos.

Vejam! O Criador do ser humano se fez homem para que, Aquele que governa do mundo sideral, se alimentasse de leite; para que o Pão tivesse fome; para a Fonte tivesse sede, a Luz adormecesse, o Caminho se fatigasse na viagem, a Verdade fosse acusada por falsos testemunhos, o Juiz dos vivos e dos mortos fosse julgado por um juiz mortal, a Justiça fosse condenada pelos injustos, a Disciplina fosse açoitada com chicotes, o Cacho de uvas fosse coroado de espinhos, o Alicerce fosse pendurado no madeiro; para que a Virtude se enfraquecesse, a Saúde fosse ferida e morresse a própria Vida’ (Sermão 191,1: PL 38,1010).

Na dialética, Santo Agostinho quer que os cristãos subam do temporal ao eterno, do mundo visível ao invisível : «Jesus jaz no presépio, mas leva as rédeas do governo do mundo; toma o peito, e alimenta aos anjos; está envolto em panos, e veste a nós de imortalidade; está mamando, e o adoram; não encontrando lugar na pousada, fabrica seus templos nos corações dos crentes. Para que se fortalecesse a debilidade, se debilitasse a fortaleza... Assim, acendemos nossa caridade para que alcancemos a sua eternidade». (Sermo 190,4: PL 38,1009).


Humildade de Cristo

De maravilha em maravilha, de paradoxo em paradoxo, Santo Agostinho retorna sempre à humildade de Deus, motivo de tanto escândalo para os pagãos :

«A humildade é ela mesma que se lança ao rosto dos pagãos. Por isso nos insultam e dizem : Que Deus é esse que adorais? Um Deus que nasceu? Que Deus adorais? Um Deus que foi crucificado? A humildade de Cristo desagrada aos soberbos; mas se a ti, cristão, agrada, imita-a; se a imitas, não trabalharás, porque Ele disse: Vinde a mim todos vós que estais sobrecarregados». (Enarrat. in ps. 93,15: PL 37,1204).

A doutrina da humildade é a grande lição do mistério de Belém : «Considera, homem, o que Deus se fez por ti; reconhece a doutrina de tão grande humildade mesmo em uma criança que não fala» (Sermo 188, 3: PL 38,1004).


A Mãe Virgem e a Igreja jubilosa

Juntamente com o Filho de Deus e sua Mãe sempre virgem, no presépio agostiniano está presente a Igreja, ou a humanidade inteira que salta de júbilo.

A todos deve contagiar a alegria do nascimento : «Saltem de júbilo os homens, saltem de júbilo as mulheres; Cristo nasceu varão e nasceu de mulher, e ambos os sexos são honrados nEle. Pulai de prazer, santos meninos, que escolhestes principalmente a Cristo para imitar no caminho da pureza; brincai de alegria, virgens santas; a Virgem deu à luz para vós para desposar-vos com Ele sem corrupção. Dai mostras de júbilo, justos, porque é o natalício do Justificador. Fazei festas vós os fracos e enfermos, porque é o nascimento do Salvador. Alegrai-vos, cativos; nasceu vosso redentor. Alvoroçai-vos, servos, porque nasceu o Senhor. Alegrai-vos, livres, porque é o nascimento do Libertador. Alegrem-se os cristãos, porque nasceu Cristo» (Sermo 184,2: PL 38,996).

A alegria, pois, tem uma expressão de transbordamento incontido no presépio de Santo Agostinho para todo tipo de pessoas. Toda a humanidade participa desta alegria : «Todos os graus dos membros fiéis contribuíram para oferecer à Cabeça o que por sua graça puderam levar» (Sermo 192,2: PL 38,1012).


Epifania do Senhor

Ainda que o nome de Epifania seja reservado hoje para a festividade dos Magos, inicialmente compreendia as duas festas do nascimento e da adoração dos Magos, porque os «dois dias pertencem à manifestação de Cristo» (Sermo 204,1: PL 38,1037). Primeiro se manifestou visivelmente em sua carne aos judeus, e logo a seguir aos gentis, representados pelos Magos do Oriente. Desde então, o recém nascido começou a ser pedra angular da profecia onde se juntavam as duas paredes, os judeus e os gentis.

Os grandes paradoxos de Belém continuam neste mistério : «Quem é este Rei tão pequeno e tão grande, que não abriu ainda a boca na terra, e está já proclamando editos no céu?» (Sermo 199,2: PL 38,1027). O mistério do Menino Deus se enriquecia de novas luzes : «Jazia no presépio, e atraia aos Magos do Oriente; se ocultava em um estábulo, e era dado a conhecer no céu, para que por meio dele fosse manifestado no estábulo, e assim este dia se chamasse Epifania, que quer dizer manifestação; com o que recomenda sua grandeza e sua humildade, para que quem era indicado com claros sinais no céu aberto, fosse buscado e encontrado na ‘angustura’ do estábulo, e o impotente de membros infantis, envolto em panos infantis, fosse adorado pelos Magos, temido pelos maus» (Sermo 220,1: PL 38,1029)’.

 fonte www.santarita-oar.org.br

diálogo


O diálogo comporta algo mais que uma interlocução humana, vai além, e traduz um ‘ato religioso’, na medida em que evoca um Mistério maior. Indica o traço contingente que habita em qualquer experiência religiosa particular. Suscita indagação, abertura permanente, ou como mostra Gadamer [4], expansão da individualidade. O que se busca, intensivamente, é a verdade que habita na dinâmica mesma da sinfonia do encontro. Disse a respeito Montaigne  : ‘Eu festejo e acaricio a verdade em qualquer lugar que a encontrar, e para lá me dirijo alegremente, e lhe estendo minhas armas vencidas, de longe, assim que a vejo se aproximar (...)’. 

São ricos os exemplos de buscadores que viveram intensamente a prática da hospitalidade . No âmbito do cristianismo, e em particular no diálogo com o islã, aparecem figuras notáveis como Louis Massignon  (1883-1962), que abraçou com vigor esse tema, fazendo dele a ária de sua vida. Para ele, a hospitalidade envolvia uma saída de si mesmo, uma ‘expatriação interior’ para poder assumir o outro com alegria e gratuidade. Entendia que o verdadeiro encontro com o outro não acontece mediante o caminho de sua anexação, mas no deixar-se hospedar por ele. O caminho indicado é o do coração, que é o lugar privilegiado de acesso ao ‘segredo divino’. Hospitalidade, Misericórdia e Compaixão são palavras que se irmanam. Assumir a hospitalidade é deixar-se tomar pelo apelo solene dos Abdâl, ou seja, daqueles que foram escolhidos por Deus para sanar as feridas do mundo mediante o dom de si. Foi desta palavra, Abdâl — plural de badal —, que Massignon tirou a inspiração para a sua experiência espiritual mais forte, a Badaliya, um mosteiro espiritual, uma comunidade de pessoas dedicadas ao caminho da oferta ao islã.

 

9.1.24

um coração dilatado


 A opção fundamental para a glória de Deus, a referência fundamental a uma transcendência, ao Absoluto, é constitutiva do coração do homem. São Bento é simplesmente consciente que o coração do homem é feito assim, vive assim, está vivo se vive assim. E a vida do coração é a felicidade, o sentido da completude.

São Bento herdou sua sensibilidade para a natureza do coração humano da Bíblia, da tradição patrística, por exemplo, de Santo Agostinho, de Cassiano, de São Basílio, etc. Mas também, direta ou indiretamente, dos melhores filósofos pagãos da antiguidade.

A primeiríssima frase da Regra é: «Escuta, filho, os preceitos do mestre, e inclina o ouvido do teu coração» (Prol. 1).

É impossível algo de novo na vida se não se parte da exigência de felicidade que cada coração humano traz em si. Cedo ou tarde, o homem deve, entretanto, reconhecer que não consegue dar a si mesmo a felicidade. Daí o convite a volver para um mestre a capacidade de escuta que se encontra no coração humano, para alguém que possa nos guiar a partir de uma experiência da verdade da vida. O essencial, para São Bento, é que o coração diga livremente sim a uma salvação que não provém dele. O essencial é que o coração, consciente de sua incapacidade de se salvar sozinho, mas também de seu desejo inalienável de plenitude e de felicidade, decida escutar um Outro, e que o escute com a disponibilidade para se deixar guiar, instruir, conduzir para a vida.

O resultado desse labor é que o coração se dilata, isto é, torna-se mais livre, mais ele mesmo, mais capaz de desejar a felicidade. É o que São Bento promete no fim do Prólogo: «Com o progresso da vida monástica e da fé, dilata-se o coração e com inenarrável doçura de amor é percorrido o caminho dos mandamentos de Deus» (Prol. 49).

A expressão «coração dilatado» exprime uma capacidade de amor que permite à liberdade abraçar toda a vida, toda a realidade. A dilatação do coração quer dizer que a pessoa está unificada, sem nada para censurar da realidade. O amor que a habita torna-se relação gratuita com tudo e com todos. Toda a vida se torna viva porque se torna amor, um amor que escolhe tudo, acolhe tudo, respeita tudo, se sacrifica por tudo, renuncia a tudo e, no entanto, possui tudo. Direi que o sucesso do caminho pelo qual a Regra nos guia é como uma simpatia para com toda a realidade, uma afeição por tudo, que torna a pessoa capaz de gerar para a positividade tudo o que encontra e tudo o que faz.

O «coração dilatado pela inenarrável doçura de amor» engendra, antes de tudo, um olhar diferente sobre as pessoas e as coisas e, por conseguinte, uma relação diferente. E a relação diferente muda as coisas, muda as pessoas, torna-as melhores, as faz crescer, as repara se foram feridas ou destruídas.

Foi este novo olhar que reconstruiu e edificou a civilização européia. A decadência do império romano e as destruições bárbaras haviam embaçado e obscurecido o olhar sobre o homem e sobre o real. Tudo se tornou ruína, pessimismo, derrotismo. Quem ousaria ainda edificar alguma coisa, tomar uma iniciativa, esperar algo de novo?

São Bento intuiu, em meio a essa decadência, que era preciso olhar mais além, olhar de outro modo, olhar um Outro. Entrementes ele se retirou sozinho por três anos numa gruta, a fim de exercitar esse olhar de Deus. Saiu dessa experiência com um olhar renovado. Não tinha mais necessidade de mudar previamente a realidade e a sociedade para ver a positividade de todas as coisas. A positividade, ele a trazia em si mesmo, estava em seu olhar; ele compreendeu que devia ajudar os outros a fixar o olhar mais além de si mesmos, mais além de suas misérias e das do mundo.


 

confiabilidade



A Santa Regra de São Bento é frequentemente denominada como ‘discretione perspicua’, quer dizer, ‘que se distingue pela discrição’. A discrição é considerada como uma marca característica da santidade beneditina.

De certo modo, sem ela não existe santidade e, quando compreendida em sua amplitude, se confunde com a própria santidade. Quando se confia algo a alguém, de humilde discrição, espera-se que ele guardará silêncio, porém, é muito mais do que simples sigilo. O discreto sabe, mesmo quando não lhe é recomendado, aquilo que não deve falar. Possui o dom de discernir entre o que deve falar e o que deve manter em silêncio, a quem se pode confiar algo e a quem não o pode. Isto serve tanto para assuntos pessoais quanto para os outros.

Consideramos como indiscrição se alguém fala de seus assuntos pessoais quando não convém, ou quando sua omissão é ofensiva.

Deste dom necessitam especialmente os que têm de dirigir almas. São Bento o menciona no contexto do capítulo 64 que caracteriza o Abade. Nas decisões que toma tem de ser ‘prudente e refletido’ e seja um trabalho humano ou divino que ele ordena, tem de saber discernir e ponderar, tendo presente o discernimento de Jacó quando diz : ‘Se fizer meus rebanhos trabalhar, andando demais, morrerão todos num só dia’. Este e outros testemunhos sobre a discrição, a mãe de todas as virtudes, tem de brotar do seu coração de tal modo que saiba ver o que os fortes desejam e o que afugenta os fracos. Poderíamos definir aqui a discrição como sábia moderação. Mas a fonte de tal moderação é o dom do discernimento, isto é, saber o que é mais adequado para cada um.

 

8.1.24

O mistério do reino

 


Jesus é o Reino de Deus presente e a adesão à sua pessoa significa entrar e viver no Reino. O Reino de Deus está no meio das pessoas (Cf. Lc 17, 21). Seu trono é a Cruz, prova definitiva e plena de amor, com a qual a morte é vencida e a vida resplandece na Ressurreição do Senhor e as portas se abrem para todos.

O Reino de Deus não chega pela força, mas exige o uso do precioso dom da liberdade. Diante dele há que se tomar uma decisão : ‘Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo’ (Mt 6, 33). E buscá-lo é optar por valores que significam caminhar contra a correnteza da avassaladora luta pelo poder, presente no mundo e dentro de cada pessoa. Uma das escolhas se chama ‘serviço’ (Cf. Mc 10, 45), buscar não o domínio sobre os outros, mas exercitar a disponibilidade para construir o bem das pessoas. Quer dizer converter-se a cada dia, frente às responsabilidades pessoais, especialmente as que significam poder sobre quem quer que seja. Outro passo é a confiança na Providência Divina, pois o mundo não foi abandonado por quem o criou, mas é misteriosamente guardado e acompanhado pelo Senhor, que sabe conduzir tudo para o bem.

5.1.24

Tempora Bona Habeatis


 Era um monge e todos diziam que era um santo. Sempre bem humorado e sempre ocupado, todos invejavam a vida longa e feliz que sempre tivera. Um belo dia, veio visitá-lo um anjo do Senhor e encontrou-o na cozinha a lavar as panelas.  


- ‘Deus enviou-me, disse o anjo, para te levar para a vida eterna; chegou a tua hora’.

O nosso santo perdeu o seu  bom humor e logo viu que aquele não era o melhor momento para abandonar o seu trabalho e respondeu com toda a franqueza :

- ‘Agradeço ao Todo-poderoso a sua bondade por me ter convidado tão cedo para a sua glória, mas não posso deixar as panelas por esfregar. Todos diriam que morri só para não esfregar as panelas. Não podíeis transferir a minha viagem para mais tarde?'

O anjo olhou para aquele monte de panelas que esperavam ainda o esfregão do nosso santo e condescendeu :

- ‘Vamos ver o que se pode arranjar’. E voltou para a glória sem levar o nosso homem.

E o santo pode continuar em paz a sua tarefa para a qual não existiam muitos voluntários em todos os conventos da Ordem.

Um dia em que ele andava a revolver as couves no quintal, pois aqueles pedregulhos do quintal ainda eram mais difíceis de esfregar que as panelas da cozinha, o mensageiro de Deus voltou a aparecer-lhe. Não era de propósito mas o anjo de Deus aparecia sempre na pior altura.

O nosso homem apontou, de enxada em riste, toda aquela porção de terra que esperava a caridade de sua enxada e o anjo que decidisse.

E o anjo sorridente, decidiu mais uma vez transferir a chamada, pelo menos enquanto houvesse horta para cavar.

Os dias foram passando e o que fazer não faltava ao nosso santo. Era costume seu, nos intervalos em que não havia panelas para esfregar e o trigo crescia no campo, fazer uma visitinha aos doentes do hospital. Vinha ele com um copo na mão para leva-lo a um doente com muita febre, quando viu novamente o anjo do Senhor.

Desta vez o santo nem esteve com explicações. O anjo que desse uma vista de olhos pela enfermaria e logo veria que aquele momento não era o melhor para abandonar toda aquela gente.

E sem dizer palavra, o anjo do Senhor desapareceu.

Mas naquela noite, ao voltar para o mosteiro, o nosso homem sentiu-se velho e cansado e sem vontade para limpar as panelas, nem para cavar a horta nem para visitar os doentes. Entrou na capela e rezou :

- ‘Senhor, se quiseres mandar-me agora o teu mensageiro, estou disposto a recebe-lo. Já não sirvo para nada’.

E foi então que o próprio Senhor lhe falou :

- ‘Faz-me um pouquinho de companhia. Há tanto tempo espero que tenhas um momento livre para estares comigo’.

3.1.24

São Basílio Magno



A vida monástica surgiu na Ásia Menor com Eustáquio, Bispo de Sebaste, pouco tempo depois do monaquismo surgido no Egito Eustáquio teve muitos discípulos e organizou mosteiros.

São Basílio (329-379) foi seu discípulo até que com ele rompeu pela questão dogmática do reconhecimento da divindade do Espírito Santo.

São Basílio nasceu na Capadócia, de família rica e profundamente religiosa. Teve a primeira instrução em Cesaréa e instrução superior em Constantinopla e Atenas, onde se tornou amigo muito próximo de São Gregário Nazianzeno. Abraçando a “vida ascética” por influência do Bispo Eustáquio, viajou pelo Egito, Palestina, Mesopotâmia, Síria, em peregrinação pelos mosteiros. Despojando-se dos seus bens em favor dos pobres, fundou em 358 um mosteiro. Chamado pelo bispo de Cesaréa como conselheiro, mais tarde o sucedeu na sé episcopal. Conservando a saudade da vida ascética, fundou um mosteiro em Cesaréa o qual visitava diariamente e escreveu uma regra para os monges. Morreu aos 50 anos de idade esgotado pelas austeridades.

 Até recentemente para a maioria dos historiadores monásticos, São Basílio e sua obra teriam sido um prolongamento de São Pacômio, do qual teria sido profundo conhecedor a ponto de aperfeiçoar-lhe a fraternidade e humanidade, normatizando a preocupação com a produção agrícola. No entanto, com a divulgação da documentação copta pacomiana uma nova visão se impôs sobre as tão faladas “manufaturas pacomianas”, os “monges-operários”, os “mosteiros-casernas”.. O papel principal de São Basílio, na verdade, foi o de conselheiro espiritual de ascetas reunidos em comunidades. As “Regras de São Basílio” não são regras propriamente ditas, mas respostas ou normatizações às questões que lhe eram propostas quando de suas visitas às comunidades de ascetas.

O “Pequeno Asceticon” que chegou até nós em sua versão siríaca e na tradução latina de Rufino é o embrião das chamadas “regras basilianas”.

Por formação e temperamento São Basílio era inclinado a identificar vida ascética e vida cristã, a ponto de afirmar  que ascetas nada mais são que cristãos coerentes consigos mesmos. 

 


1.1.24

Espiritualidade II


O Espírito Santo não apaga as diferenças, não aplana automaticamente as divergências. Vejamos o que acontece imediatamente após o Pentecostes. Primeiro, surge a divergência sobre a distribuição de víveres para as viúvas; depois, outra muito mais grave sobre receber ou não, e em quais condições, os pagãos na Igreja. Mas não vemos formar-se entre eles partidos ou agrupamentos. Cada um expressa as próprias convicções com respeito e liberdade; Paulo vai a Jerusalém para consultar Pedro e, em outra ocasião, não tem receio de fazê-lo notar uma incoerência (cf. Gal 2,14). Isto lhes permite, no final da discussão de Jerusalém, anunciar o resultado à Igreja com as palavras : ‘Pareceu oportuno ao Espírito Santo e a nós...’ (Atos 15, 28).

Foi traçado assim o modelo para toda assembleia da Igreja, com a diferença de que, ali, ela está na fase embrionária, em que ainda não estão claramente delineados os vários ministérios e ainda não se destacou (porque não houve tempo nem necessidade) o primado dado a Pedro, pelo qual cabe a ele fazer a síntese e dar a última palavra.

Mencionei a cúria. Que presente seria para a Igreja se ela fosse um exemplo de fraternidade! Ela já é, pelo menos muito mais do que o mundo e os seus meios de comunicação querem fazer parecer; mas pode ser cada vez mais. A diversidade de opiniões, como já vimos, não deve ser um obstáculo intransponível. Com a ajuda do Espírito Santo, basta recolocar Jesus e o bem da Igreja no centro das próprias intenções todos os dias, e não o triunfo da própria opinião. São João XXIII, na encíclica ‘Ad Petri cathedram’, de 1959, usou uma frase famosa, de origem incerta, mas de atualidade perene : ‘In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus vero caritas’ : nas coisas necessárias, unidade; nas coisas dúbias, liberdade; e em todas as coisas, caridade.

Se me é possível, pois, alguma consolação em Cristo, algum caridoso estímulo, alguma comunhão no Espírito, alguma ternura e compaixão, completai a minha alegria, permanecendo unidos. Tende um mesmo amor, uma só alma e os mesmos pensamentos. Nada façais por espírito de partido ou vanglória, mas que a humildade vos ensine a considerar os outros superiores a vós mesmos. Cada qual tenha em vista não os seus próprios interesses, e sim os dos outros’ (Fil 2, 1-4).

São palavras dirigidas por São Paulo aos seus amados fiéis filipenses, mas tenho certeza de que elas exprimem também o desejo do Santo Padre para com os seus colaboradores e para com todos nós.


 

Espiritualidade



Os construtores da torre de Babel não eram ateus que queriam desafiar o céu, mas homens piedosos e religiosos que queriam construir um daqueles templos de terraços sobrepostos, chamados zigurates, dos quais ainda restam ruínas na Mesopotâmia. Isto os torna mais próximos de nós do que imaginamos. Onde está, então, o seu grande pecado? Eles se põem a trabalhar dizendo entre si :

E disseram uns aos outros : Vamos, façamos tijolos e cozamo-los no fogo. Serviram-se de tijolos em vez de pedras, e de betume em lugar de argamassa. Depois disseram : Vamos, façamos para nós uma cidade e uma torre cujo cimo atinja os céus. Tornemos assim célebre o nosso nome, para que não sejamos dispersos pela face de toda a terra’ (Gn 11, 3-4).

Querem construir um templo à divindade, mas não pela glória da divindade, e sim para se tornarem famosos, para obter renome, não para exaltar o nome de Deus. Deus é instrumentalizado a serviço da glória deles. Também os apóstolos, em Pentecostes, começam a construir uma cidade e uma torre, a cidade de Deus, que é a Igreja, mas não para tornar célebre o seu próprio nome, e sim para exaltar o de Deus : ‘Nós os ouvimos proclamar nas nossas línguas as grandes obras de Deus, exclamam os presentes’ (At 2, 11). Eles ficam completamente tomados pelo desejo de glorificar a Deus, esquecendo-se de si mesmos e do próprio renome.

Santo Agostinho tirou daqui a inspiração para a sua grandiosa obra ‘A Cidade de Deus’. Há, diz ele, duas cidades no mundo : a cidade de Satanás, chamada Babilônia, e a cidade de Deus, chamada Jerusalém. Uma é construída sobre o amor por si mesmo levado até o desprezo de Deus; a outra, sobre o amor por Deus levado até o sacrifício de si mesmo. Estas duas cidades são dois canteiros de obras até o fim do mundo e cada um tem que escolher em qual dos dois quer empregar a própria vida.

Qualquer iniciativa, até mesmo a mais espiritual, como, por exemplo, a da nova evangelização, pode ser ou Babel ou Pentecostes (inclusive, é claro, esta meditação que eu estou dando). É Babel se cada um, com ela, tenta ganhar renome; é Pentecostes, se, apesar do sentimento natural de fazer sucesso e receber aprovação, cada um retifica constantemente a própria intenção, colocando a glória de Deus e o bem da Igreja acima de todos os seus desejos pessoais. Às vezes, é de valia repetirmos para nós mesmos as palavras que Jesus disse um dia diante dos seus adversários : ‘Eu não busco a minha glória’ (Jo 8, 50).


 

efeitos & causas

Olhamos extasiados a máquina capaz de calcular o lucro que dará a próxima colheita de café.             Olhamos com frieza apática a pequena...