30.12.23

*puritas cordis"

 





Santidade é amor: amor a Deus acima de tudo e amor ao próximo em Deus. Tal amor, exige em última análise, completo esquecimento de si mesmo.

O monge é tradicionalmente alguém que deixa o convívio social, foge da companhia dos outros e procura purificar a alma vivendo na solidão de um lugar afastado. Mas nem por isso o monge passa os dias a vegetar, vítima de uma piedosa ilusão.

Para o monge, deixar o “mundo” é em primeiro lugar, deixar-se a si mesmo e começar a viver para os outros. Aquele que vive “no mundo, mas não é do mundo”, é aquele que, em plena vida, com todas as limitações da condição humana, se esquece de si a fim de viver para a comunidade dos irmãos. O mosteiro de Serra Clara, com seu afastamento geográfico e rígida clausura, tinha por alvo criar essa atmosfera favorável ao esquecimento próprio.

Buscar verdadeiramente a Deus...

Para NPSão Bento procurar a Deus significa viver em Cristo, encontrar o Pai no Filho, Seu Verbo Encarnado, participando pela fé e pelo dom de si mesmo da obediência, da pobreza e da caridade de Cristo.

A vida monástica não está apenas dedicada ao conhecimento de Cristo ou à contemplação de Cristo ou à imitação de Cristo. O monge procura tornar-se Cristo pela participação na paixão de Cristo.

A vida no mosteiro, diz Cassiano, é vivida sob o sacramento da cruz (sub crucis sacramento).

Muitos pormenores da austera vida do monge ou monja podem ser abrandados pelos abades ou abadessas. Pode haver abrandamento quanto à oração cotidiana, ao trabalho manual, ao jejum, ao silêncio; em uma coisa, porém, não poderá haver suavização: na obrigação fundamental do monge de ser “obediente até à morte”. Isso quer dizer que o monge deve entregar a vontade teimosa de viver a vida como indivíduo que se busca a si mesmo e se faz valer. Renunciar ao prazer das mais caras ilusões que se possui a respeito de si próprio. O QUE A VIDA MONÁSTICA PEDE É A COMPLETA E VERDADEIRA RENÚNCIA DE SI MESMO.

Viver “sob o sacramento da cruz”(Cassiano), é participar da vida de Cristo ressuscitado. Assim é quando morrem as nossas ilusões , dando lugar à realidade. Quando nosso falso “eu” desaparece, quando a treva de nossa auto-idolatria se dissipa então realizam-se no monge as palavras do Apóstolo: “Levanta, tu que dormes e Cristo te iluminará”(Ef 5,14).

A luz de Deus que brilha na alma humilde, vazia de si, é o que os antigos Padres chamavam “puritas cordis”, pureza de coração. Cassiano ensinava que o escopo da vida monástica consistia em levar o monge a essa pureza interior, razão de ser de todas as observâncias monásticas.

 

 

 

26.12.23

Nós somos a Igreja!



O Papa Francisco tem sido criticado quase desde o início do seu pontificado. Enquanto os meios de comunicação laicos apreciavam os seus gestos e palavras, alguns conservadores, inclusive bispos e cardeais, começaram a mostrar o seu descontentamento com a sua popularidade e estilo. À medida que ele foi dando entrevistas e denunciando o capitalismo selvagem e dizendo como sonhava com uma Igreja pobre, serva e inclusiva, e a ter alguns gestos de abertura, as ‘farpas’ na praça pública não se fizeram esperar.

As críticas subiram ainda mais de tom com a realização do recente sínodo extraordinário sobre a família, onde foi possível discutir temas considerados incômodos, como o do acolhimento eclesial dos homossexuais e dos divorciados recasados.

 O Papa Francisco, com a simplicidade que o caracteriza, começou a reformar o papado e a cúria romana e tem desafiado toda a comunidade a sair de si para ser verdadeiramente missionária.

Seria uma pena que as conferências episcopais, as dioceses, as paróquias, os movimentos e as congregações religiosas não aproveitassem este momento de graça e de simpatia ‘laica’ conquistada pelo Papa Francisco para se renovarem e testemunharem com alegria a sua experiência do Deus da misericórdia e da paz. O apelo de Frei Bento, ‘Não podemos deixar este Papa sozinho e comportarmo-nos apenas como espectadores benévolos e simpatizantes das suas atitudes’, ganha nova força. O compromisso deve começar por nós. Nós somos a Igreja!

23.12.23

Natal by São Bernardo


O Nascimento de Nosso Senhor está cheio de mistérios. Considera em primeiro lugar, porque o Filho Unigênito de Deus quis vir ao mundo em tanta pobreza, em lugar tão desprezível, na estação de inverno, nas trevas da noite e longe da sociedade. Porque não quis celebrar seu aparecimento na capital, em Jerusalém, em um dos muitos palácios que lá havia, rodeado de todo conforto? São Bernardo diz :

Não penseis que tudo isto tivesse acontecido por acaso. A criança não escolhe a hora e o dia do nascimento, porque para escolher lhe falta liberdade e uso da razão. Com Jesus Cristo não se dá isto. Ele, Deus feito homem, podendo determinar tempo e Lugar, escolheu justamente o que era agradável à natureza humana e à Santíssima Virgem. Porque procedeu assim? Os Santos Padres respondem : Primeiro : para nos mostrar mais claramente seu grande amor e incitar-nos a amá-lo também. Se Cristo tivesse vindo numa estação mais agradável; se tivesse escolhido a magnificência e comodidade de um palácio, sem dúvida haveríamos de reconhecer-lhe o amor para conosco que agora mais ainda realça, vendo-o nascer em pobreza, numa gélida noite e numa estrebaria. Segundo : Cristo o Senhor, já desde o nascimento quis mostrar-nos o caminho para o céu e ensinar-nos pelo exemplo o que mais tarde nos disse  pela palavra. Não só o Menino Jesus como também a gruta, o presépio, os paninhos nos dizem que o caminho do céu é áspero e íngreme, e não há outro para nós, se nos queremos aproveitar para o aparecimento de Nosso Senhor. A concupiscência da carne e dos olhos, a soberba da vida são as raízes de todos os pecadores e as causadoras da desgraça dos homens.


 

Natal do Senhor



A pobreza do natal do Menino Jesus ensina-nos a necessidade da humildade, da cruz e do sofrimento, como meios de combater os vícios, de desapegar-nos do mundo, e servir a Deus com toda a pureza. Tudo isto nos mostra e exemplo de Cristo no presépio. Dizem os Santos Padres, que o presépio de Belém é o púlpito, a tribuna do Deus Menino.

Os ensinamentos de Nosso Senhor devem ser por nós imitados, quer nos tenham sido transmitidos por palavras, quer pelo exemplo. Do pobre nascimento de Cristo devemos aprender duas coisas : Primeiro, amemos o Menino de Belém. E segundo, tornemo-nos semelhantes  ao Menino de Belém!

Demos ao menino Jesus o nosso mais sincero e ardente amor, e imitemo-lo nas virtudes da pobreza e da humildade. Ao Menino Jesus é aplicável a palavra que mais tarde o Divino Mestre, quando pôs um menino no meio dos Apóstolos disse : ‘Se não vos converterdes e não vos tornardes semelhantes às crianças, não entrareis no reino dos céus’.

Eis o que o Menino Jesus nos ensina ao nascer : desprezar os bens do mundo, para alcançar os bens eternos.’


 

22.12.23

IV Domingo do Advento




Do Tratado contra a heresia de Noeto, de Santo Hipólito, presbítero.
 
Manifestação do mistério escondido
‘Único é o Deus que conhecemos, irmãos, e não por outra fonte que não seja a Sagrada Escritura. Devemos, pois, saber o que ela anuncia e compreender o que ensina. Creiamos no Pai como ele quer ser acreditado; glorifiquemos o Filho como ele quer ser glorificado; e recebamos o Espírito Santo como ele quer se dar a nós. Consideremos tudo isso, não segundo nosso próprio arbítrio e interpretação pessoal, nem fazendo violência aos dons de Deus, mas como ele próprio nos ensinou pelas santas Escrituras.
Quando só existia Deus, e não havia ainda nada que existisse com ele, decidiu criar o mundo. Criou-o por seu pensamento, sua vontade e sua palavra; e o mundo começou a existir como ele quis e realizou. Basta-nos apenas saber que nada coexistia com Deus. Não havia nada além dele, só ele existia e era perfeito em tudo. Nele estava a inteligência, a sabedoria, o poder e o conselho. Tudo estava nele e ele era tudo. E quando quis e como quis, no tempo que havia estabelecido, manifestou o seu Verbo, por quem fez todas as coisas.
Deus possuía o Verbo em si mesmo, e o Verbo era imperceptível para o mundo criado; mas fazendo ouvir sua voz, Deus tornou-o perceptível. Gerando-o como luz da luz, enviou como Senhor da criação aquele que é sua própria inteligência. E este Verbo, que no princípio era visível apenas para Deus e invisível para o mundo, tornou-se visível para que o mundo, vendo-o manifestar-se, pudesse ser salvo. O Verbo é verdadeiramente a inteligência de Deus que, ao entrar no mundo, se manifestou como o servo de Deus. Tudo foi feito por ele, mas ele procede unicamente do Pai. Foi ele quem deu a lei e os profetas; e ao fazê-lo, impulsionou os profetas a falarem sob a moção do Espírito Santo para que, recebendo a força da inspiração do Pai, anunciassem o seu desígnio e a sua vontade.
 
O Verbo, portanto, se tornou visível, como diz São João. Este repete em síntese o que os profetas haviam dito, demonstrando que aquele era o Verbo por quem tinham sido criadas todas as coisas: No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus; e o Verbo era Deus. Tudo foi feito por ele e sem ele nada se fez (Jo 1,1.3). E, mais adiante, prossegue: O mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não quis conhecê-lo. Veio para o que era seu, os seus, porém, não o acolheram (Jo 1,10-11).’


 

21.12.23

Sermo 1 in Nativitate domini

 



 Dos Sermões de São Leão Magno, papa
 

Toma consciência, ó cristão, da tua dignidade.

              "Hoje, amados filhos, nasceu o nosso Salvador. Alegremo-nos. Não pode haver tristeza no dia em que nasce a vida; uma vida que, dissipando o temor da morte, enche-nos de alegria com a promessa da eternidade.

               Ninguém está excluído da participação nesta felicidade. A causa da alegria é comum a todos, porque nosso Senhor, vencedor do pecado e da morte, não tendo encontrado ninguém isento de culpa, veio libertar a todos. Exulte o justo, porque se aproxima a vitória; rejubile o pecador, porque lhe é oferecido o perdão; reanime o pagão porque é chamado à vida.

               Quando chegou a plenitude dos tempos, fixada pelos insondáveis desígnios divinos, o Filho de Deus assumiu a natureza do homem para reconciliá-lo com o seu Criador, de modo que o demônio, autor da morte, fosse vencido pela mesma natureza que antes vencera.

                Eis porque, no nascimento do Senhor, os anjos cantam jubilosos: glória a Deus nas alturas; Paz na terra aos homens de boa vontade (Lc. 2,14). Eles vêem a Jerusalém celeste ser formada de todas as nações do mundo. Diante dessa obra inexprimível do amor divino, como não devem alegrar-se os homens, em sua pequenez, quando os anjos, em sua grandeza, assim se rejubilam?

                Amados filhos, demos graças a Deus Pai, por seu Filho, no Santo; pois, na imensa misericórdia com que nos amou, compadeceu-se de nós. E quando estávamos mortos, por causa de nossas faltas, Ele nos deu a vida com Cristo (Ef 2,5) para que fôssemos nele uma nova criação, nova obra de suas mãos.

               Despojemo-nos, portanto, do velho homem com seus atos; e tendo sido admitidos a participar do nascimento de Cristo, renunciemos às obras da carne.

               Toma consciência, ó cristão, da tua dignidade. E já que participas da natureza divina, não voltes aos erros de antes por um comportamento indigno de tua condição. Lembra-te de que cabeça e de que corpo és membro. Recorda-te que foste arrancado do poder das trevas levado para a luz e o reino de Deus.

                Pelo sacramento do batismo te tornaste templo do Espírito Santo. Não expulses com más ações tão grande hóspede, não recaias sob o jugo do demônio, porque o preço de tua salvação é o sangue de Cristo".

(In Liturgia das horas, I, pg 362/363 Ed. Vozes e Ou, 1999)
 

Monaquismo Palestinense



Menos numerosos que os monges do Egito, mas de igual pujança nos séculos V e VI. Desde  270-280 existem registro de anacoretas no deserto ao sul de Jerusalém. Os mosteiros multiplicaram-se no século IV, agrupando-se em torno de dois célebres monges:

Hilarião (+371) e Caritão.

Ambos viram-se literalmente cercados de discípulos e por mais que fugissem, deslocando-se seguidamente mais para o fundo do deserto, inutilmente.

Santo Hilarião nasceu em Gaza e foi estudar em Alexandria. Num curto espaço de tempo, deixou os estudos e tornou-se discípulo aplicado de Santo Antão, guardando de memória seu ensinamento e imitando seus exemplos.

De volta a Gaza, distribui seus bens aos seus irmãos e aos pobres e com apenas 15 anos de idade vai para a solidão do deserto onde vive durante 45 anos como eremita.

Notável por seu espírito de oração, de abstinência  e por sua humildade, cura doentes, expulsa demônios, atraindo muitos visitantes e discípulos. Em busca de maior solidão, vai para o Egito levando alguns discípulos. Sempre em busca de maior isolamento passa sucessivamente à Líbia, Sicília, Dalmácia e Chipre, onde passa seus últimos anos num eremo inacessível, onde morre. Seu corpo é levado por um discípulo de volta a Gaza, onde é sepultado.


 

Cela monástica



Um irmão foi a Cétia procurar o Abba Moíses e pedir-lhe uma palavra.

Disse o ancião: “Vai, senta-se em tua cela, e tua cela te ensinará tudo”

.... a cela é um lugar ideal para aprendermos a nos conhecer, para se vasculhar realística e regularmente os processos da mente e dos sentimentos. Ao avaliarmos nosso processo como indivíduos, tendemos a nos concentrar em fatores externos, como posição social, influência e popularidade, riqueza e nível de instrução. Certamente são dados importantes para se medir o sucesso nas questões materiais, e é perfeitamente compreensível que tantas pessoas se esforcem tanto para obter todos eles. Mas os fatores internos são ainda mais decisivos no julgamento do nosso desenvolvimento como seres humanos. Honestidade, sinceridade, simplicidade, humildade, generosidade pura, ausência de vaidade, disposição para ajudar os outros – qualidades facilmente alcançáveis por todo indivíduo – são os fundamentos da vida espiritual. O desenvolvimento de questões dessa natureza é inconcebível sem uma séria introspecção, sem o conhecimento de nós mesmos, de nossas fraquezas e nossos erros. Pelo menos – ainda que seja a única vantagem – a cela de uma prisão nos dá a oportunidade de examinarmos diariamente toda a nossa conduta, de superarmos o mal e desenvolvermos o que há de bom em nós. A meditação diária, de uns 15 minutos antes de nos levantarmos, é muito produtiva nesse aspecto. A princípio, pode ser difícil identificar os aspectos negativos em sua vida, mas a décima tentativa pode trazer valiosas recompensas. Não se esqueça de que os santos são pecadores que continuam tentando.


 

18.12.23

Com a fé de Maria



A afirmação de Santo Agostinho ‘Meu coração está inquieto, Senhor, enquanto não repousar em ti’ requer uma fé causadora de entusiasmo, energia, agrado, serenidade, tranquilidade e paz. Agora, com o início do Advento, que se convença pelo olhar de Maria, ela como primogênita da Cruz redentora, a primeira que de todo o coração, com todo o seu ser, abraçou a Cruz de seu Filho, do modo mais completo e elevado, aprendendo, evidentemente, com ela : ‘Maria, nossa mãe, ajude-nos a conhecer sempre melhor a voz de Jesus e a segui-la, para andar no caminho da vida!’ (Papa Francisco).

A fé, no seu sentido mais profundo e mais rico, é o abandono total das pessoas em Deus, na entrega do seu destino, no misterioso destino de Deus. Maria é presença singular neste Advento, na sua ação salvífica e reconciliadora, em quem Deus encontrou abrigo e se expandiu, na sua sublime e esplendorosa liberdade, num não a todo e qualquer obstáculo. Ela, Maria de Nazaré, é distanciada das imperfeições, sem nenhum equívoco, lacuna ou falha, como na sua profética palavra : ‘Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra’ (cf. Lc 1, 38). Antevemos o reinado de Cristo pelo amor, sendo Ele a nossa verdadeira e duradoura paz.


 

"da cepa brotou a rama"...


Sentimos indignação quando alguém corta uma árvore e deixa desnudo uma cepa do velho tronco com suas raízes ainda fundadas na terra. Estava já velha, dizem alguns. Era um perigo, comentam outros. Só ocupava lugar, exclamam mais alguns. Todos apresentam justificativas para eliminá-la e jogá-la abaixo. Todos têm razão quando se trata de eliminar o que é visto como inútil ou velho.

No entanto, quando acreditavam que o velho tronco estava condenado a desaparecer, se esqueceram que ainda não tinham arrancado suas raízes. Subitamente, quando menos esperavam, viram como novos rebentos brotavam no tronco velho. O tronco estava para ser cortado, mas as raízes ainda tinham vida. E enquanto há vida nas raízes, a vida é possível. ‘Do velho tronco de Jessé, brotará o rebento que é Jesus’. A vida é mais forte que a velhice; a vida é mais forte que o robusto tronco; a vida sempre triunfa sobre aquilo que consideramos inútil, estorvo ou perigo.

O problema que nos aflige hoje, talvez, não seja tanto referente aos troncos, mas um problema de raízes. Há demasiadas vidas sem raízes profundas; há demasiadas instituições carentes de raízes, que terminam sendo instituições vazias; há demasiadas vocações sem raízes profundas, que nascem de ideais mais emotivos que evangélicos; há demasiadas decisões sem raízes, porque são tomadas em um momento emocional, mas sem terra que as sustente; há demasiadas convicções ideológicas sem raízes...

Por isso são vidas que morrem facilmente; morrem com a facilidade com a qual morrem os sentimentos que as sustentavam. Suas raízes estão tão na superfície da terra que acabam morrendo antes que o tronco.

Cultivamos os ramos com muito esmero, mas nos esquecemos das raízes. Cultivamos muito o tronco, mas não alimentamos as raízes; cultivamos muito a aparência, mas não nos preocupamos em colocar água nas silenciosas raízes que não se veem.

Quando as raízes têm vida, pode ser que alguns ramos se sequem, mas ainda permanecem outros suficientes para embelezar a árvore. Quando as raízes têm vida, podemos encontrar dificuldades no caminho, mas a vida é mais forte que os obstáculos. Quando as raízes têm vida, podemos passar por momentos de prova, mas a vida que sobe pelo tronco é mais forte. Com frequência, passamos a maior parte do tempo regando os ramos enquanto as raízes morrem de sede. 


 

caminhar com confiança



No Advento, quanta esperança nos verbos ‘anunciado’, ‘chegado’, ‘completado’ e ‘realizado’, na promessa da vida nova de outrora, no cordeiro que desce dos céus trazendo a salvação, na alegria do Salvador em nossos dias, sendo, para a humanidade, a plenitude dos tempos! Neste tempo abençoado do Advento, que todos se unam, confiem e acreditem no amor ardente e compassivo do Pai do céu, presente para as pessoas e para o mundo, amor este sempre redentor, ao impulsionar seu Filho Jesus em seu projeto de amor, na expectativa de que tudo aconteça e tenha sua favorável e auspiciosa concretude em nós, criaturas humanas.

Jesus, com sua encarnação, o que mais deseja e pede de nós é que realizemos a vontade do Pai, levando a bom termo a obra que lhe foi confiada pelo bom Deus, na vida que requer ânimo e coragem. Deus pede convicção naquilo em que se acredita, que seja este um ardente e impactante desejo de nossa parte, obtendo uma autêntica e sincera reflexão sobre a Lei do Senhor, ao mesmo tempo em que se manifestem indicadores precisos de que haveremos, sim, de nos envolvermos, confiantes no indizível mistério, mas numa disposição energicamente restauradora e salutar.

Somos desafiados, desse modo, a acolher e tratar a largueza misteriosa da benfazeja eternidade de Deus, na nossa caminhada para o Natal do Senhor, no mais elevado respeito aos sacramentos, também pela Palavra de Deus e demais sinais deste Advento, no esforço e preocupação de que, como pessoas voltadas ao mistério, o nosso modo de viver se aproxime da fé por nós abraçada no batismo. Os sinais concretos deste Advento de 2022 querem provocar e inquietar as pessoas de boa vontade, contribuindo muito, no sentido de que se possa pensar, mas sempre interpelando sua própria liberdade de escolha, sem nunca querer forçar, diante da ação de Deus em Jesus de Nazaré, Rei da paz na humilde estribaria de Belém (cf. Alfredo Läpple, Interpretação atualizada e catequese, p. 250).

Devemos combater o pessimismo, numa caminhada de confiança, convicção de que nossa vida está nas mãos de Deus, mas num sereno entusiasmo, habilitados e instruídos de respeitar o dom maravilhoso da vida e da dignidade humana, ao fugir do rancor, do ódio e da violência. Os milagres revelam, didaticamente, o aspecto escatológico, no sonho da ‘nova criação’, na qual todos aqueles que são atingidos pela escassez e insuficiência do corpo e do espírito saberão que ‘cegos recuperam a vista, coxos andam, leprosos são purificados, surdos ouvem e mortos ressuscitam (Mt 11, 5).

 

 

Ao encontro da nossa procura

 Na língua portuguesa há duas expressões que são comumente faladas e muitas vezes confundidas. São elas : ‘ir ao encontro’ e ‘ir de encontro’. Ambas, sem dúvida, são muito parecidas, contudo possuem sentidos totalmente opostos. Quando usamos ‘ir ao encontro’ pressupomos que há certa concordância entre as partes envolvidas, sendo uma favorável à outra. Quando, todavia, usamos a expressão ‘ir de encontro’ pressupomos a ideia oposta, ou seja, há uma discordância entre as partes envolvidas, sendo uma contrária à outra. Dessa forma, ‘ir de encontro a algo ou alguém’ quer dizer ser contra esse algo ou alguém.

Por que é importante para uma pessoa cristã saber essa diferença? Bom, primeiramente, porque falar e escrever corretamente ajudam muito na hora de transmitir determinada ideia de forma clara e assertiva. Segundo, porque nos ajuda a compreender algumas características presentes em diversas pregações que ouvimos hoje em dia.

A mensagem cristã, ao longo de sua história, durante um período considerável, deu mais ênfase ao Deus que vai de encontro à humanidade do que ao Deus que vai ao encontro da humanidade. Ou seja, durante muito tempo, e ainda hoje, tem-se pregado um Deus que é contra o ser humano, que o considera como não digno, pecador, sujo, afastado de Sua graça e que precisa desesperadamente de alguém que o salve da condenação do inferno. Esse tipo de pregação enfatiza um Deus que está distante, inacessível em sua glória, precisando ser adorado e exaltado para que sua ira não recaia sobre o ser humano e sobre a criação.

Esse tipo de pregação enfatiza um Deus tirano, que age arbitrariamente simplesmente para satisfazer seus caprichos. Se para mostrar que o ser humano está errado for preciso destruir uma cidade inteira enviando um tornado, não tem problema algum para esse Deus, afinal, quem mandou determinado povo não obedecer à vontade divina? Esse é somente um dentre tantos outros exemplos que podemos tirar tanto do texto bíblico como das pregações atuais. Deus e a humanidade, dessa forma, são colocados em polos contrários, estando constantemente um contra o outro.

No entanto, a partir dos Evangelhos é possível perceber uma outra ideia de Deus. Um Deus que vai ao encontro da humanidade, que vê nela algo de bom, que tem alegria em sua companhia e reconhece que ela não é, por natureza, má, mas carrega em si algo do próprio Deus que lhe criou. Esse Deus narrado nos Evangelhos, sendo amor, está sempre indo ao encontro de sua criação, dispondo-se a caminhar com ela e promovê-la para que se torne cada vez mais aquilo que foi chamada a ser. Esse Deus que vai ao encontro da humanidade, na perspectiva cristã, revela-se em Jesus, em sua entrega e ressurreição em favor de seus irmãos e irmãs.

Pregar um Deus que vai de encontro à humanidade gera uma casta superior, daqueles e daquelas que se consideram santos e irrepreensíveis, que se consideram estando mais perto de Deus e, por isso mesmo, podem se colocar como pedágio para os que querem se aproximar Dele. Com isso, sentem-se autorizados a justificarem perseguições, desigualdades sociais, opressões, estelionatos e tantos outros crimes, feitos em nome desse deus, contra as pessoas mais pobres e desfavorecidas.

Na linha oposta, pregar um Deus que vai ao encontro da humanidade é perceber que o mundo da forma como está não é o desejado por Deus e, por isso mesmo, lutar contra as diversas injustiças que nele se manifestam é tarefa cristã. Anunciar a libertação dos pobres, cativos e oprimidos com voz profética se mostra como o caminho necessário para anunciar que o amor de Deus para com a humanidade não é algo passivo, mas como todo amor, ativo, que visa a liberdade de todas as pessoas que alcança.

Pregar um Deus que vai ao encontro da humanidade é a única pregação cristã possível, fazendo coro ao que Hans Urs von Balthazar afirma : ‘só o amor é digno de fé’.

Não à indiferença



O Natal cristão de verdade, sim, no Menino Jesus que vamos encontrar na manjedoura, na mensagem que percorre o mundo, aquele que o infinito imutável e irrevogável nos manifestou em Jesus de Nazaré, que desceu do céu, que, segundo Afonso Maria de Ligório, ‘desceu das estrelas’. Ele quer de nós a sua centralidade, num visível e favorável ambiente, com as marcas da simplicidade, da modéstia e do comedimento, no amor ao próximo, começando com o mais próximo.

Que o Natal, verdadeiramente cristão, encontre eco em nós, não deixando espaço para aquela profética palavra de João Batista na sua pregação : ‘raça de víboras’ (cf. Mt 3, 7ss). Lugar, sim, para que o anúncio, incômodo e provocador de João Batista, deixe clara a necessidade de contrariar a realidade contraditória vivenciada por ele, na acolhida do seu clamor, naquilo que causa enorme prejuízo à íntegra mensagem por ele proclamada, dizendo não à indiferença.

Notória é a necessidade de um cristianismo longe da indiferença, que tanto mal fez e continua fazendo, mas um cristianismo com Cristo; repetindo: ele no centro, porque a ‘vida eterna que estava no Pai se manifestou’ na comunidade dos batizados, na disposição de preparar o caminho do Senhor. Nosso tempo, mais do que nunca, requer dos corações encascalhados, pelas ilusórias vantagens do mundo, que se neutralizem a insensibilidade e a indiferença, na confiança de um ‘Deus que é luz e nele não há vestígio de trevas’ (1 Jo 1, 1-5).

No mistério da encarnação, temos resposta infinitamente maior e superior a qualquer indagação que se possa ser sugerida pelas criaturas humanas. Deus mesmo, pelo Filho, mergulha na nossa vida finita, passageira e relativa; mergulha na nossa miséria. Pensemos, pois, no Deus que, sendo infinito e absoluto, sofre junto conosco e com toda a humanidade, num amor ilimitado. É a redenção em nosso meio, como diz São João : ‘De tal modo Deus amou o mundo, que, por ele, entregou seu Filho único’ (Jo 3, 16).’

 



 

17.12.23

Natal



 

Neste próximo final de semana, a maior parte do Ocidente e uma parcela do Oriente celebrará o Natal.

Falar do Natal, por sua vez, implica a lembrança da narrativa do nascimento de Jesus, ainda que qualquer pessoa que estude a Bíblia e a história de uma maneira mais aprofundada saiba que Jesus não nasceu no mês de dezembro. Mas, mais importante do que a data exata (algo que nunca sabermos), é a mensagem trazida pelos evangelistas que colocaram tal narrativa em seus escritos.

Em Mateus, a narrativa que foca em Jesus como sendo o cumprimento das promessas de Deus a Israel, mostrando-o como aquele que descendia da linhagem de Davi e, portanto, o Messias esperado pelo povo. O paralelo entre Moisés e Jesus se mostra uma importante chave de leitura para compreensão do Evangelho de Mateus, algo que, aparentemente, o autor deixa claro desde a narrativa do nascimento.

Em Lucas, sua narrativa não  fala da genealogia de Jesus, nem cita os magos que vieram do Oriente para entrega de presentes. Seu foco está  em falar do nascimento de João Batista, colocando este como precursor do Messias, como o Elias que haveria de ‘preparar ao Senhor um povo bem disposto’, conforme Lucas 1,17, como apresentar Jesus como aquele que é concebido pelo Espírito e, consequentemente, como mostrado em Atos, aquele que dispensa o Espírito para a formação da comunidade dos que creem.

Lucas faz questão de falar da circuncisão de Jesus, bem como do cumprimento da lei por parte dos pais, e ainda das personagens de Simeão e Ana, que dão testemunho a respeito da salvação que chega por meio desse menino que nasce.

Mesmo que os relatos sejam diferentes, uma vez que, claramente, foram escritos para comunidades diferentes, com questões e problemas diferentes, a tônica da salvação por meio desse menino que nasceu é comum. Seja apresentando Jesus como o novo Moisés, seja falando de Jesus como aquele concebido pelo Espírito de Deus, ambos querem mostrar que Deus não se esqueceu de sua promessa feita ao seu povo, mas em seu tempo, promoveu a salvação, que foi reconhecida somente por aquelas pessoas que estavam atentas aos sinais dos tempos, tais como os magos, os pastores, Simeão e a profetisa Ana. Em outras palavras, a salvação é anunciada aos estrangeiros, aos humildes, às mulheres, e reconhecida por meio do Espírito de Deus.

 

 

 

 

 


 

14.12.23

Do silêncio



O capítulo sexto da Santa Regra de São Bento versa exclusivamente sobre essa virtude cristã. Embora se traduza o termo em latim taciturnitate (o título original desse capítulo) como silêncio, talvez seria melhor manter o termo taciturnidade, mesmo que seja menos familiar aos nossos ouvidos. Isso porque o silêncio pregado por São Bento aos seus monges não representa apenas o ato físico de não vibrar as cordas vocais (embora esse artifício seja por demais estimulado também), mas, sim, uma atitude de recolhimento da alma, que a permite aprender, meditar e agir de modo santo no dia a dia. Certamente, esse é o silêncio vivido pelos Trapistas. Por fora, colocava-se com alguém desatento, entretanto, por dentro, vibrava seu espírito em união com Deus, na busca de respostas para as mazelas humanas. 

No livro de Provérbios, se lê : ‘não pode faltar o pecado num caudal de palavras; quem modera os lábios é um homem prudente’ (Pv 10,19). Esse versículo nos ensina o porquê de o silêncio ser tão desejado por Deus e tão vivido pelos seus santos. Colocando-nos em atitude de ‘tagarelice’, logo chegará a ocasião de ofensa ao próximo, a ocasião de lamúria diante da vida e sabe Deus lá onde isso pode parar em termos de pecado. Não significa que conversas santas e próprias a edificar não sejam bem-vindas; pelo contrário, elas são estimuladas pelo próprio São Bento no capítulo previamente colocado, mas uma vez que se perceba que o tom da conversa levará ao pecado, esta logo deve ser interrompida. Com o progresso da vida espiritual, entende-se que a melhor conversa é aquela na qual se ouve o ensinamento de um mestre e os medita no coração. 

Em um contexto moderno, assolado pelas redes sociais, em que todos querem falar, sobretudo por meio do excesso de exposição da vida íntima e por meio da postagem e de textos que, muitas vezes, não têm proficiência e não atestam a veracidade, a taciturnidade de Santo Tomás convida-nos ao comportamento oposto : do recolhimento em Deus e da escuta do Espírito Santo dentro de nós. Que saibamos crescer em silêncio, tal como a Virgem Santíssima, que ‘conservava todas as palavras, meditando-as no seu coração’ (Lc 2,19).

 

silêncio como oração


Nossas liturgias e orações comunitárias têm sido marcadas pelo excesso de palavras. Pronunciadas, proclamadas, gritadas, as palavras são utilizadas demasiadamente, pouco guardando espaço para o silêncio. Mesmo quando as orientações o sugerem, pouco se efetiva realmente. Há um desejo desenfreado por verbalizar tudo que se passa no interior do coração sem que haja uma preocupação por descobrir as moções do Espírito que conduzem a tais atitudes. Outras vezes elas se tornam repetições pronunciadas sem paixão, sem percepção do mistério que nos circunda. Na medida em que se toma consciência da presença de Deus, em todos os momentos e situações da vida, pode-se viver o silêncio como oração. Isto exige sensibilidade e abertura para o próximo e para os apelos de Deus.

Não esqueçamos que no silêncio podemos descobrir o essencial da vida como bem recorda Dietrich Bonhoeffer : ‘No silêncio está inserido um maravilhoso poder de observação, de clarificação, de concentração sobre as coisas essenciais’. O silêncio nos conecta com o profundo de nós mesmos no qual descobrimos a escrita de Deus em nossa vida, sua teografia, que nos acompanha antes mesmo de nosso nascimento. O silêncio é a linguagem de Deus no qual Ele se revela como Deus amor que tudo cria para o bem.



 

silêncio&oração


No desenvolvimento e expansão da fé cristã, desde a experiência dos primeiros monges cristãos, que iam para os desertos e florestas, o silêncio se tornava espaço de encontro consigo mesmo e com Deus. Charles de Foucault encontrou Deus na profunda experiência de contemplação e silêncio, assim como Francisco de Assis, ele passava horas a fio diante do Santíssimo Sacramento em silêncio. Esta experiência foi vivida por inúmeros santos e santas, homens e mulheres que descobriram o silêncio como oração, fonte do encontro com Deus. O papa Francisco recorda que ‘parte-se do silêncio e chega-se à caridade para com os outros’. A experiência profunda de encontro com Deus sempre nos conduz a nos lançarmos ao próximo.

O silêncio não deve ser imposto como mecanismo de defesa ou fuga diante de forças autoritárias que se impõem e exigem o silêncio. Ao longo da história, diferentes grupos e forças impuseram o silêncio como parte da submissão ao seu pensamento ou modelo de sociedade. Este não é o tipo de silêncio ao qual nos referimos. Martin Luther King alertava para o problema deste tipo de silêncio : ‘Eu não me preocupo com o grito dos maus, mas com o silêncio dos bons’. O silêncio deve ser uma opção pessoal para todo aquele que deseja mergulhar na profundidade de si mesmo, na descoberta das belezas vida e no encontro com Deus. Por isso, ele só tem sentido enquanto livremente assumido.

O silêncio abre espaço para o encontro consigo mesmo, para a consciência de nossa própria finitude e fragilidade. Nele podemos contemplar nossa vida, meditando nossas atitudes e gestos, percebendo a presença amorosa de Deus que nos acompanha. Ele pode ser o primeiro passo num processo de autoconhecimento, que abre espaço para encontrar a presença de Deus em todas as coisas. Presença serena e suave, perceptível somente quando nos tornamos capazes de contemplar a beleza em si mesma, para além dos desejos de apropriação advindos da busca pelo conhecimento. Contemplar a beleza da vida que renasce a cada dia, da criança que sorri sem motivos, dos idosos que continuam a amar, da esperança que teima em persistir.


 

13.12.23

Vida eremítica: do deserto do Egito aos nossos dias




A palavra eremita vem do Latim eremus (= deserto) e designa, originalmente, aquele que se retirava para o deserto a fim de lá viver entregue a Deus na oração, no silêncio e na solidão. É considerado o primeiro tipo de vida consagrada masculina na Igreja. Depois, também mulheres o abraçaram.

Dois tipos 

Podemos distinguir, para efeito de legislação canônica, dois tipos de eremitas: os ligados a uma Associação ou Instituto reconhecido pela autoridade eclesiástica competente, com sua Regra de vida própria, e os autônomos, regidos pelo cânon 603 do Código de Direito Canônico, de 1983.

Os ligados a uma Associação ou Instituto aprovado pela Igreja vivem de modo isolado, mas emitem seus votos (ato canônico juridicamente válido) aos superiores da instituição que entraram. Os chamados autônomos, por não estarem ligados a uma instituição que abriga esse tipo de vida, fazem seu compromisso (votos ou algo equivalente) nas mãos do Bispo Diocesano e seguem suas diretrizes. Diga-se que tanto uma como outra modalidade de eremitismo não deve ser vista como fuga da realidade (o que não seria sadio), mas, sim, como entrega a Deus em favor dos (as) irmãos(ãs).

Consagrado

O eremita é um consagrado (monge) que faz a profissão dos chamados conselhos evangélicos de pobrezacastidade e obediência ligando-se, assim, à vida de santidade da Igreja (cf. Lumen Gentium, n. 44).

Em comentário, notamos que esses três votos clássicos da consagração se opõem aos três obstáculos de santificação apresentados na Sagrada Escritura. Com efeito, diz São João : ‘O que há no mundo – a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida – não vem de Deus’ (1Jo 2,16). Ora, é a essa tríplice concupiscência que a Igreja oferece seus remédios eficazes : à concupiscência da carne, o voto de castidade; à concupiscência dos olhos, o voto de pobreza e à concupiscência da soberba da vida, o voto de obediência.

Estilo de vida

Isso posto, pergunta-se : como vive um eremita? – Vive na busca de perfeição a que todos os cristãos somos chamados (cf. Mt 5,48) por meio da oração pública da Igreja – a Santa Missa e a Liturgia das Horas distribuída nos vários momentos do dia – bem como da oração particular do fiel : o Rosário, a Meditação da Sagrada Escritura entre outras tantas formas de preces a Deus em favor dos necessitados (pobres, idosos, doentes, perseguidos etc.). Busca, ainda, na caridade, atender aos pedidos de orações ou de conselhos que lhe chega. Também estuda, trabalha e se exercita na sadia caridade pastoral.

No campo material, sustenta-se, dentro da simplicidade, com o que a Divina Providência lhe concede pelos frutos de um trabalho condizente com seu estado de vida e por meio das doações de todos aqueles que reconhecem nessa modalidade de viver um grande bem para a Igreja e para a Humanidade inteira. Afinal, a oração é a alma da alma.

É um modelo belo de seguimento a Cristo mais de perto e está aberto a homens e mulheres de todos os tempos e lugares

 

12.12.23

convivio na hospedaria



 Era sempre bem recebido em grupos de hóspedes no mosteiro c de Serra Clara um breve conto sobre o dia em que o diabo teria aparecido a três monges e perguntado, de um por um, o que mudariam no passado.

Se eu lhe der o poder de mudar algo do seu passado, o que você mudará?

O primeiro monge, com grande zelo apostólico, respondeu rapidamente :

Eu impediria você de fazer Adão e Eva caírem no pecado, para que a humanidade não pudesse se afastar de Deus’.

O segundo monge, que tinha um coração repleto de misericórdia, respondeu :

Eu impediria você mesmo de se afastar de Deus e se condenar eternamente’.

O terceiro monge era o mais simples dos três. Em vez de responder ao diabo, ele se ajoelhou, fez o Sinal da Cruz e rezou :

Senhor, livra-me da tentação do que poderia ter sido e não foi’.

O demônio então lançou um urro estridente e, contorcendo-se de dor, desapareceu.

Atônitos, os outros dois perguntaram ao companheiro de vida consagrada :

Irmão, por que você respondeu desta forma?

Ele explicou :

Primeiro: nunca devemos dialogar com o inimigo. Segundo : ninguém no mundo tem o poder de mudar o passado. Terceiro : o diabo não está minimamente interessado em nos ajudar, mas sim em nos prender no passado para descuidarmos o presente.

Por quê? Porque o presente é o único tempo em que, pela graça divina, podemos colaborar com o próprio Deus. O ardil do diabo que mais aprisiona as pessoas e as impede de viverem o presente em união com Deus é o ‘poderia ter sido e não foi’.

Deixemos o passado nas mãos da Misericórdia de Deus e o futuro nas mãos da Sua Providência. Já o presente está em nossas mãos unidas às mãos de Deus’.’

 


advento/sinodalidade/nova evangelização



A ideia é colocar o catolicismo numa nova dinâmica frente aos desafios do presente. Só que, para isso, todos os católicos precisam se mobilizar. Dessa forma, o sínodo é visto como um meio para se chegar à consolidação desse projeto. Como, a partir das mais distintas realidades, é possível pensar numa confissão cristã que dialoga com os vários setores da sociedade? Como fazer com que essa mensagem chegue aos areópagos da atualidade?

Quem ler o Documento de Aparecida (2007), a carta magna do atual pontificado, conseguirá intuir a que se propõe esse sínodo. Tudo parte do ‘ver, julgar e agir’. E tal método só será eficaz se forem criados espaços concretos de escuta. Graças ao sínodo sobre a sinodalidade isso será possível.

Francisco é pragmático. E o seu ‘jesuitismo’ o impulsiona a ser cada vez mais assim. Seguindo a pedagogia própria dos inacianos, ele sabe que o discernimento que se desvincula da realidade é estéril. Há uma preocupação latente de que o cristianismo não seja algo abstrato, mas algo encarnado na vida.

E é justamente isso que os ritualistas, apegados a um modelo monárquico de Igreja, não conseguem entender. Francisco não quer destruir o papado ou destituir o colégio de cardeais com esse sínodo. Mas quer mostrar, também para os seus colaboradores, que os títulos correspondem a um serviço, não a um privilégio. É ministério, não um cargo com plano de carreira dentro de uma organização. E a ‘conversão sinodal’ só poderá acontecer quando as autoridades, por primeiro, estiverem dispostos a acompanhar, não simplesmente a delegar. E quando os leigos, nesse processo, também sejam reconhecido como parte integrante de um corpo, não como simples receptores da mensagem.’

 

9.12.23

cor litúrgica do Advento


‘Hoje, os padres usam a cor roxa durante o Advento. Mas nem sempre foi assim. Na verdade, por alguns séculos, na Idade Média, o preto era mais comum durante o Advento.

Na época do [Papa] Inocêncio III [1198-1216 ], o preto era a cor do Advento em Roma até a véspera de Natal. Durandus, que viveu um século depois de Inocêncio III, usava o roxo, enquanto Radulphus Dean de Tongern, que morreu em 1403, diz que o preto era usado em Roma em seus dias. Isso mostra bem que preto e o roxo eram considerados sinônimos liturgicamente.

Mas isso não era privilégio de Roma, já que o preto marcava presença durante o Advento em outros lugares até o século XVI.

Historicamente, o preto sempre remeteu ao luto, à penitência e à morte. O Advento era visto como um período de intensa preparação espiritual, em que nós morríamos para nós mesmos, para que ‘renascêssemos’ no Natal. 

Também refletia a ideia de que o mundo estava em trevas antes da vinda de Jesus no Natal.

Roxo substitui o preto no Advento

Nas rubricas de 1904 encontramos a explicação  por que o preto foi, mais tarde, substituído pelo roxo :

O preto é uma negação da cor e uma expressão peculiar de tristeza. Na Sagrada Escritura, infortúnios de todo tipo estão relacionados com a ideia de escuridão. Assim, o preto na Igreja tornou-se um símbolo do mal e da adversidade, tanto física quanto espiritual. É por esta razão que até o século XIII era usado durante as épocas de aflição e penitência. Porém, uma vez que o pecado é o único infortúnio verdadeiro na vida espiritual, não exclui absolutamente a luz da graça, o roxo tomou o lugar do preto, que foi retido na Liturgia apenas na Sexta-feira Santa.

O roxo acabou substituindo o preto no Advento, ainda refletindo um período de conversão, mas não uma cor tão forte quanto o preto.’

 


 

monge= aquele que pratica o que contempla



‘A prática leva à perfeição. Quem nunca ouviu essa frase? Em qualquer área em que se atua, tal ditado é mencionado como incentivo para que se chegue a certo estágio almejado, insistindo na persistência da ação para o aprimoramento de certa habilidade.

Embora aquilo que o ditado nos diz seja facilmente assimilado, é muito comum que em nosso cotidiano queiramos que resultados cheguem o mais rápido possível e com o menor esforço possível. Esse tipo de desejo se manifesta grandemente nos ambientes profissionais. Quem nunca ouviu falar de algum/a colega que, entrando em determinada empresa, com apenas 01 ano já acreditava que poderia ser o chefe de todas as pessoas que com ele/a trabalhava?

Ou ainda, quantos de nós já não nos sentimos frustrados por pensarmos que estamos demorando demais para a aprender algum conceito, alguma ferramenta para o trabalho, ou ficarmos bons em algum esporte? Essa curva de aprendizagem, fortemente conhecida, nem sempre é bem assimilada e não são poucas as pessoas que ao tentarem fazer com que tal curva seja menor, acabam em uma cobrança exacerbada de si, ou tornando tal caminho ainda mais longo.

Toda pessoa que se dedica a algo há algum tempo tem mais clareza do processo dessa aprendizagem, e muito provavelmente, também já experimentou a ansiedade de acompanhar essa curva. Contudo, uma vez alcançado aquilo que se deseja (o cargo, o conhecimento, o corpo etc.) se percebe que tal processo foi fundamental e, mais ainda, a não desistência da prática constante foi essencial para o resultado.

Com relação às coisas do cotidiano e do trabalho não temos muita dificuldade de entender esses processos. Na verdade, de alguma forma, tais processos já estão tão internalizados que achamos muito pouco provável que alguém que não se dedica a algo será um/a expert nele.

Quando, porém, movemos da área do trabalho para as áreas pessoais, é comum que tal princípio de que a prática leva à perfeição não seja tão bem internalizado assim. Tomemos, por exemplo, a questão dos relacionamentos interpessoais. Que todo relacionamento tenha seu momento de grande empolgação e depois se torne estável e sem grandes rompantes é o desejável de muitas pessoas e, no geral, é o que acontece. Basta perguntarmos às pessoas que se relacionam há muito tempo e é praticamente unânime a fala de que a paixão arrebatadora do início tenha dado lugar à constância da relação e à monotonia do dia a dia, sem com isso fazer com que tal relacionamento caminhe para um término.

Ao contrário, é comum que se mencione que diversos ajustes foram feitos ao longo da caminhada e que cada um foi se adaptando ao modo de vida do outro, sendo necessária uma prática constante e diária a fim de fazer com que tal relação perdurasse. Em outras palavras, o amor que sentiram um pelo outro, e que os fizeram se relacionar num primeiro momento, é sustentado por meio das práticas amorosas no dia a dia e, sem tais práticas o próprio relacionamento estaria terminado.

Se falamos sobre a relação com Deus, ela se dá da mesma forma. Quanto mais praticamos aquilo que Deus deseja de nós (que amemos uns aos outros), mais expert ficamos nessa arte e mais próximos dele também ficamos. Ou seja, nas palavras de Willian James, ‘nossa prática é a única evidência segura, até para nós mesmos, de que somos genuinamente cristãos’.


 

efeitos & causas

Olhamos extasiados a máquina capaz de calcular o lucro que dará a próxima colheita de café.             Olhamos com frieza apática a pequena...