30.11.23

Apoftegmas

 


A respeito da vida e da doutrina dos Padres do deserto, os “Apoftegmas” oferecem uma imagem verdadeiramente equilibrada e mais humana do que as narrativas épicas (e muito preciosas) da História Lausíaca, de Paládio, e da História dos monges do Egito, que Rufino traduziu para o latim. A tradição monástica, eremítica ou cenobítica, não se cansou de se alimentar espiritualmente dos Apoftegmas, fazendo deles um dos textos mais importantes da espiritualidade monástica em todos os tempos.

Os Apoftegmas colocam os monges de todas as épocas diante de uma espiritualidade viril, que acentua larga importância ao esforço ascético.

a grande opção


Na medida em que celebramos o Dia de Natal, um espírito diferente envolve o mundo. As razões podem ser diferentes para cada um, mas todos mergulham nessa realidade que se repete há dois mil anos.
A chegada de Cristo como o Messias, foi longamente preparada (3.774 anos desde a promessa a Abraão), como se pode constatar minuciosamente nas páginas do Antigo Testamento.
Essa maneira de Deus vir criança está entre as mais surpreendentes realizações, dentro do projeto de Deus. Na imaginação do judeu comum, a figura do Messias esperado deveria brotar como um herói acima de todos os heróis do passado. Enfim, era o Messias! E embora as profecias falassem de uma criança, não era uma criança que enchia a imaginação judaica. Era um valente que passaria a limpo todas as vicissitudes por que passou aquele povo sofrido. A começar daquele momento: a libertação do jugo romano.
Mas quem chegou foi uma criança.
Isto bastou para que as atenções se dispersassem, ao ponto de decorrerem trinta anos sem que quase nada fosse percebido.
Quando começa a vida pública de Jesus, é então que começam as surpresas e as divisões. Ao final, com a morte e a ressurreição, o mundo judeu estará dividido em duas partes, à semelhança do que acontecerá em todo o percurso da História restante, como acontece até hoje. Todos querem um Deus, mas cada um O faz à sua maneira.
Lá ficava claro que o Messias não viera somente para o povo judeu e muito menos para resolver um problema circunstancial daquele momento. Ele viera para o mundo inteiro e para a História inteira. E viera, sobretudo, para mostrar uma nova forma de reinado e de poder.
Sua pobreza destronava a riqueza. Sua humildade destronava o orgulho. Sua sabedoria destronava a vaidade do pensamento humano. E sua vida, como um todo, punha por terra a neurose do sucesso, declarando-o frágil, provisório, inconsistente, estéril e inútil. E destronou a violência pela mansidão que perdoa e não revida.
Ele tinha tudo o que desejavam. Mas sempre de modo diferente. Os que O compreenderam mergulharam nele até à coragem da morte. Os outros decepcionaram-se profundamente, transformando a própria frustração em vingança e morte. Foi aí que apareceu a maior das diferenças que Ele veio trazer: para Deus, a vida pode ser morte e a morte pode ser vida. O que dá sentido a uma e outra coisa é a fidelidade. Fidelidade a tudo o que é divino e, consequentemente, fidelidade a tudo o que é verdadeiramente humano.
Mas tudo começou com uma criança.
A partir daí, a História estará dividida entre duas opções: a fidelidade e a fraude, a verdade e a mentira.
Não é a História enquanto tempo que se divide. É a História enquanto essência que estará dividida entre essas opções.
Daí se pode dizer com propriedade que a Salvação chegou. No sentido de que ela está ao alcance de quem quiser. Poderão continuar tentando salvar o mundo com as receitas mais variadas. Mas sempre sem sucesso.
Porque a Salvação é uma só, é única. Ou se aceita a transparência da sinceridade, ou se prosseguirá mergulhando cada vez mais fundo nas trevas dos interesses.
E tudo começou com uma criança.
Lição forte a dizer que é preciso renascer. Que não adianta remendar desastres com outros desastres, mas que a certa altura, é necessário reconhecer os erros e voltar atrás para começar de novo como uma criança, renunciar aos descaminhos e retomar caminhos abandonados lá atrás impensadamente.
Essa criança veio dizer que os problemas que os homens enfrentam e que se agravam, não são coisas abstratas, que podem ser resolvidas com raciocínios e cálculos, ou com instrumentação sofisticada, própria do nosso tempo.
Os problemas residem no homem. E ali devem ser resolvidos. Ou não haverá solução. Sem homens pacíficos não haverá paz. Sem homens justos não haverá justiça. Sem homens capazes de amar com generosidade não haverá amor. E sem essas coisas o mundo será um inferno cada vez maior e mais doloroso.
Gostaríamos de comprar soluções. Mas o caminho é dar a vida por elas.


 

29.11.23

Derto dasCelas (continuação)

 

 

 O deserto da Cétia (Celas) terá quatro grupos monásticos bem definidos em lauras que são mosteiros de vida semi-eremítica:

1.o mosteiro dos santos Máximo e Domécio, que ainda existe sob o nome de Deir Baramous.

2. o mosteiro dedicado ao abade Bishoi, com uma igreja rodeada pelas celas dos monges, igualmente existente até hoje.

3.o mosteiro do abade João, o Pequeno, em estilo de laura (vida semi-eremítica)

4. o mosteiro de Deir Abou Makar, construído em torno da última cela de São Macário, existente até hoje.

O núcleo central desses mosteiros comportava uma igreja (onde os monges se reuniam aos Domingos), um refeitório para as refeições em comum, uma padaria junto a uma despensa, algumas oficinas, uma diaconia onde ficavam os monges sacerdotes e umas poucas celas para hóspedes cuidadas por irmãos que nelas moravam.

Durante a semana os eremitas viviam afastados dos demais. Os cenobitas viviam em comunidade com os noviços, Todos se reuniam para a missa dominical. O trabalho de todos era basicamente tecer cordas de juncos e fabricar esteiras e cestas ao mesmo tempo em que se entregavam à oração contínua. Os mais letrados exerciam a importante função de copistas.

Cada mosteiro era presidido por um monge sacerdote e todos os quatro mosteiros da colônia estavam sob a autoridade do “Pai da Cétia” função exercida inicialmente pelo abade São Pafnúcio e depois pelo abade João, o Pequeno, que fora discípulo fiel de São Macário. (continua)


(Mosteiro Deir as Suriani na Cétia - Igreja Copta)


Deserto da Cétia ou Celas

 

O deserto das Celas, fundado a cerca de 20km ao sul do deserto da Nítria, no Egito, é hoje conhecido como Wadi Natrum. Teve um destino próspero e abençoado, subsistindo até hoje.

O fundador dessa colônia monástica foi São Macário do Egito em 330. Pouco se sabe dos primeiro discípulos que viveram sob a direção espiritual de São Macário, mas dos poucos que se tem comprovação histórica está o abade Amoés, pai espiritual de João, o Pequeno (Kolobos) e de Isidoro que foi ordenado sacerdote para cuidar da colônia quando São Macário se retirou mais para o fundo do deserto em busca de maior solidão. Isidoro teve como sucessor o abade Pafnúcio, que acolheu Cassiano e Germano durante sua permanência no deserto nos fins do séc. IV. (continua)

(Mosteiro de Wadi Natrum - Igreja Copta - Egito)


Os desertos da Cétia e da Nítria


Os dois mais importantes centros da vida monástica primitiva no Egito dos séculos IV e V foram os desertos da Cétia e da Nítria.

A colônia monástica da Nítria, localizava-se a 60km de Alexandria, teve como fundador Santo Amon no ano 315, marcado pelos conselhos e exemplos de Santo Antão. Os livros “A História Lausíaca” de Paládio e os “Apoftegmas” irão conservar e transmitir para as épocas vindouras, a lembrança dos santos monges mais ilustres que viveram nessa colônia monástica: os abades Pior, Or, Pambo, Isidoro, Crônio, Macário de Alexandria.





 

27.11.23

um certo reino

  Num belo texto de meditação bíblica, o saudoso cardeal Carlo Maria Martini, SJ (ex-arcebispo de Milão), dizia que Mateus e Marcos falaram do Cristo, mas não da Igreja. E só Lucas, ao escrever os Atos dos Apóstolos, nos conduz do Cristo à Igreja. E para ele (Martini) essa experiência da Igreja é a experiência do Cristo total, ou seja, do Cristo ressuscitado em forma de comunidade. Li isso e concordo, no sentido da Igreja comunhão. A Igreja que eu tento entender e vivenciar. Comunhão: ser amigo e companheiro... Foi assim que vi a presença simples, humilde e generosa do Papa emérito Bento XVI presente no Consistório. Mas  não consigo mais do que isso.           Mesmo com o Papa Francisco, sinto a maior parte da minha Igreja ainda afundada no triunfalismo clerical, em uma cultura auto centrada e em valores que não são exatamente o Evangelho de Jesus. É a impressão que me deixou esse último Consistório.

      Não posso e não quero romper com a Igreja instituição até porque eu mesmo vejo em mim o pecado e a tentação permanente do poder e da vaidade, mas me sinto muito impotente. Minha única consolação é mergulhar cada vez mais na inserção junto aos mais empobrecidos - é junto aos pequeninos de Deus que encontro o rosto e o carinho de Jesus. É a experiência interior e não a reflexão; é o deixar-se conduzir pela energia do amor e não tanto discorrer sobre ela.
Graças a Deus.



vida monástica e diaconia

   “Estou no meio de vós como aquele que serve” Lc 22,27

     Jesus encara toda sua vida como uma diaconia. Sua existência é um ser-para-os-outros. É um serviço voluntário, feito por amor à pessoa do outro. Tal conceito de diaconia (serviço) opõe-se radicalmente ao domínio que no mundo um exerce sobre o outro.
     O poder com o qual Cristo é investido apresenta-se como poder de amor, bem diverso do poder-dominação dos homens. Ele é frágil, vulnerável, conquista pela fraqueza e pela capacidade de doação e de perdão. Jesus, por assim dizer, “desdivinizou” o poder, mostrando-nos que é na fraqueza que se revela o Amor de Deus e o Deus de Amor (1 Cor 1,25; 2Cor 13,4).
     O primado da caridade está no centro da própria vida e da atuação de Jesus, um amor maior que consiste em amar algo superior a nós mesmos. Para o Cristo, esse algo que legitima e justifica o amor maior, a ponto de se dar a vida por ele, tem duas dimensões: a pessoa de Deus e a pessoa do irmão. A novidade do testemunho de Jesus é que Deus quer ser servido nos outros e não tanto em si mesmo.
     O místico Ruijsbroeck (+1381) o exprimiu com profundidade: “Se estiveres em êxtase como São Pedro ou São Paulo e se um doente precisar de uma sopa quente, ou qualquer outro serviço do mesmo gênero, aconselho-te a abandonares o êxtase e esquentar a sopa. Abandonas Deus de um lado para encontrá-lo do outro lado. Tu o serves em seus membros e não perdes nada com a mudança”.
     A História nos oferece na figura de São Vicente de Paulo (1581-1660), “Arauto da misericórdia e da ternura de Deus” (João Paulo II), um esplêndido exemplo da identificação do amor de Deus e ao próximo. Assim afirma às Filhas da Caridade: “Irmã, embora se a oração se é extremamente necessária a uma Filha da Caridade, dir-lhe-ei todavia que, sendo sua principal função o serviço do pobre, quando se trata de socorrê-lo e haja receio de que lhe sobrevenha algum dano se não for prontamente atendido, as senhoras estão obrigadas a deixar a oração. Porque a assistência ao pobre foi prescrita por Deus e praticada por Jesus Cristo”.
     Aqueles que crêem em Jesus, devem ser ajudados a viver segundo a prática de Jesus. Isto é, a adquirir o “espírito de Jesus”. Sem a prática e as atitudes a ortodoxia é incompleta e incoerente.
     Assim, a espiritualidade do contemplativo é a síntese entre o “espírito de Jesus” e a aceitação da sua pessoa e do seu Evangelho.


25.11.23

acta est fabula quomodo monachi

                QUANDO A FAMÍLIA É O ESPELHO DO MONGE DIANTE DE DEUS.



Serra Clara 1974

  Momento ecumênico alegre trazia sempre a presença de Ricardo Stoffel 



A partir dos últimos é que se recomeça

O monge pela simplicidade, pobreza e solidão de sua “vida de deserto” , por sua obediência na pobre comunidade de trabalhadores que é a família monástica, dá testemunho de que a felicidade do cristão não depende das promessas deste mundo.
Escrevendo a noviços dos quais era Mestre na abadia de Gethsêmani, Thomas Merton dizia: “ podemos, certamente, tanto quanto estiver ao nosso alcance, concorrer para melhorar nossa própria vida e a dos outros, mas não paramos nisto; e, se encontrarmos dificuldades não devemos desesperar. Por maior que o mundo moderno possa ser, ele é também um mundo no qual há guerras, campos de concentração, tumultos, polícias, favelas, doenças e fome: e, deve francamente ser dito que o monge na sua fazenda monástica pode, perfeitamente usar a mais moderna tecnologia, sem colocar nela a sua esperança e sem fazer depender dela a máxima felicidade. O monge, no seu mosteiro, ali está para auxiliar os homens a praticar a liberdade do pobre de espírito no meio dos problemas e prosperidades, de um mundo material em pleno desenvolvimento. Ele o fará, não pela pregação, mas pelo exemplo, encarnando em sua vida cotidiana o sentido daquilo em que crê: o Evangelho de Cristo, que lhe ensina a viver em dependência direta da bondade de Deus e a repartir esta bondade com seus irmãos na vida de trabalho simples e honesto, estudo e oração”. (Collectanea Cisterciensia – tome 35 – 1970 p. 18-19). 
(foto 1981 Mosteiro Trapista da Lapa PR enquanto se construia no Campo do Tenente a atual Abadia, Pe. Francisco Pe. Estevão Pe José Maria Fumagalli Ir. Emanuel Ir. Elredo e monjas do Mosteiro do Encontro de Curitiba)



Todas as reações:
Ely Fazioni Gomez, Marcio Roberto de Souza e outras 3 pessoa

24.11.23

Medalha Milagrosa


19 de julho e 27 de novembro  de 1830, datas das duas aparições da Imaculada Conceição a Santa Catarina Labouré, na capela da Casa Geral das Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, na Rue du Bac, em Paris.

  Há 192 anos atrás o mundo católico foi apresentado a Nossa Senhora das Graças e ao devocional da Medalha Milagrosa.

 Neste 27 de novembro de 2023, 192 anos depois, daremos graças pelo tempo vivido desde as aparições. E não apenas nos reunimos em oração para dar graças, mas, também,  para o compromisso de atualizar o espírito de confiança de Catarina tal qual ela viveu. Não se pode repetir as situações do século XIX do mesmo modo que não podemos achar que as aparições ficaram no passado e agora estamos em outra. Não! Estamos na mesma estrada, embora em outra curva da história.



Thomas Merton















Thomas Merton nasceu na França de família rica. Ainda jovem, converteu-se ao Cristianismo e acabou atraído pela vida de monge. Entrou no mosteiro trapista (beneditino da primitiva observância) de Getshemani, no leste dos Estados Unidos. Ali desenvolveu, como monge, uma intensa vida de escritor. O seu livro "A montanha dos sete patamares", onde conta sua juventude e conversão, marcou muita gente de minha geração e até hoje encanta  a quem lê. O livro "A vida silenciosa" era dado como literatura fundamental na formação dos jovens monges dos anos 60 e 70. "Sementes de Contemplação" é um clássico da literatura espiritual. 

                 Na última década de sua vida, Thomas Merton, sem sair do seu mosteiro, começou a animar um intenso movimento pela paz, pela não violência e contra a guerra. Era a época em que os Estados Unidos entraram na guerra do Vietnã. Diferentemente de outros monges, Thomas Merton engajou-se no movimento pela paz e contra o armamentismo. Além disso, se tornou amigo do Dalai Lama e iniciou um profundo movimento de diálogo entre o monaquismo cristão do Ocidente e os monges budistas do Oriente. Em 1968, faleceu em Bancok, durante um encontro com monges budistas. 
          Merton nos deixou como herança a confiança de que a mística é algo acessível a toda pessoa de fé que deseje uma vida de totalidade e união com Deus.


23.11.23

Sermão do Fogo



Há na vida do príncipe Gauthama, o Buda, um pronunciamento notável: o Sermão do Fogo.

Referindo-se aos sentidos, ele diz que tudo está em fogo. O fogo necessita de matéria combustível de onde puxa o necessário para a sua combustão. Quando não existe mais o que puxar, o fogo se apaga. É deste puxar do sermão do Fogo de Buda, que deriva o termo Nirvana que tanta gente usa sem saber o que realmente significa.

Nirvana é uma palavra composta por Nir = isenção de, e Vana= puxar. Sendo assim, desde o momento em que nos sentidos não houver mais o que puxar, haverá o Nirvana. E Buda continua o seu sermão enfatizando insistentemente outro termo: equanimidade, ou seja, isenção de emoções. Para ele, emoção é a manifestação dos sentidos.

Prosseguindo neste encadeamento, Buda discorre indicando que existem, em nosso corpo, as sedes dos sentidos, que ele chama “Nidanas”, e estas devem ao longo da vida ser acalmadas inteiramente.

Qual o sentimento que mais puxa? Ora, como você já deve ter intuído, é aquele chamado de “preservação da espécie”, ou seja, o desejo sexual. É um desejo bom, sublime até, desde que não conspurcado pelo simples desejo de “gozo”.

Buda prossegue ensinando no mais simples e claro sentido da realidade humana, que o corpo é templo do Espírito, entendido como centelha divina, por si só perfeito porque é parte de Deus, manchado apenas pela ganga (mistura) dos sentidos mal dirigidos, tão comumente submetidos às nossas contingências humanas, às vezes em grau tão rudimentar.

Cristão que sou, abraço o ensinamento do príncipe Gauthama, visto que o cristianismo ensina que o corpo é de fato sagrado, é um templo que devemos preservar, cuidar amorosamente.

Por ter esta percepção, vez por outra polemizo e continuo discordando daqueles que preconizam “sufocar” ou “matar” os sentidos pelos sofrimentos impostos ao corpo: fomes, torturas, cilícios, etc. Fico com com o axioma budista de primordial importância, a meu ver: “as paixões devem ser sublimadas, usadas como instrumento para o aprimoramento do ser humano, e jamais tentada a sua destruição pura e simplesmente”.

Equanimidade, diz Buda. Equanimidade, ou seja, serenidade, imparcialidade, ponderação, prudência, equidade no julgar e no agir.

Cada um tem que trilhar seu próprio caminho, e cada caminho leva a um estado de crescimento espiritual, próprio de cada um, de acordo com o plano de Deus para cada um. Buda vai usar os termos “Karma” e “Missão”, dois expoentes da vida de cada ser humano, sendo por isso que não há dois karmas ou duas missões iguais, e também porque o fiel da balança se chama “livre arbítrio”. Cada um é cada um, no entanto, em última análise, todos caminham em seu próprio caminho ao encontro do mesmo “Alvo”, que a todos aguarda, não olhando o caminho mas prestando atenção no caminhante!

Este “Alvo” para o qual caminhamos já está em nós e vive em nós. Um dia, acontecerá aquela fusão maravilhosa quando O alcançarmos... A fusão da gota d´água que mergulha e é absorvida pelo Oceano.

 

monaquismo primitivo I I I

 

A respeito de Santo Antão, Santo Atanásio irá dizer, referindo-se às sucessivas “fugas” cada vez mais para dentro do deserto, que esta atitude revela um conceito essencial e progressivo da vida monástica. Para Santo Antão cada dia vivido lhe parecia estar iniciando o caminho ascético buscando progredir como novo ardor repetindo para si mesmo: “esquecendo o caminho percorrido, lanço-me para frente” Fl 3,13

Depois da morte de seus pais, tendo ficado sozinho com uma única irmã ainda pequena, Antão, que tinha uns dezoito ou vinte anos, tomou conta da casa e da irmã.

Mal haviam passado seis meses desde o falecimento dos pais, que indo um dia à igreja, como de costume, refletia consigo mesmo sobre o motivo que levara os apóstolos a abandonarem tudo para seguir o Salvador; e por qual razão aqueles homens, de que se fala nos Atos dos Apóstolos, vendiam suas propriedades e depositavam o preço aos pés dos apóstolos para ser distribuído entre os pobres. Ia também pensando na grande e maravilhosa esperança que lhes estava reservada nos céus. Meditando nestas coisas, entrou na igreja no exato momento em que se lia o evangelho, e ouviu o que o Senhor disse ao jovem rico: Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me (Mt 19, 21).

Antão considerou que a lembrança dos santos exemplos lhe tinha vindo de Deus, e que aquelas palavras eram dirigidas pessoalmente para ele. Logo que voltou da igreja, repartiu com os habitantes da aldeia as propriedades que herdara da família (possuía trezentos campos lavrados, férteis e muito aprazíveis) para que não fossem motivo de preocupação, nem para si próprio nem para a irmã. Vendeu também todos os móveis e distribuiu com os pobres a grande quantia que obtivera, reservando apenas uma pequena parte por causa da irmã.

Entrando outra vez na igreja, ouviu o Senhor dizer no evangelho: Não vos preocupeis com o dia de amanhã (Mt 6, 34). Não podendo mais resistir, até aquele pouco que restara, deu-o aos pobres. Confiou a irmã a uma comunidade de virgens consagradas que conhecia e considerava fiéis, para que fosse educada no Mosteiro. Quanto a ele, a partir de então, entregou-se a uma vida de ascese e rigorosa mortificação, nas imediações de sua casa.

Trabalhava com as próprias mãos, pois ouvira a palavra da Escritura: Quem não quer trabalhar, também não deve comer (1Ts 3, 10). Com uma parte do que ganhava comprava o pão que comia; o resto dava aos pobres.


“A oração do monge não é perfeita até que não perceba mais em si mesmo que está orando”

22.11.23

monaquismo primitivo I I

 

A respeito de Santo Antão, Santo Atanásio irá dizer, referindo-se às sucessivas “fugas” cada vez mais para dentro do deserto, que esta atitude revela um conceito essencial e progressivo da vida monástica. Para Santo Antão cada dia vivido lhe parecia estar iniciando o caminho ascético buscando progredir como novo ardor repetindo para si mesmo: “esquecendo o caminho percorrido, lanço-me para frente” Fl 3,13



Santo Antão é um santo Egípcio do início do cristianismo no Oriente. Nasceu na cidade de Conam, no Egito, no ano 251. Era filho de pessoas abastadas do campo. .



monaquismo primitivo

 

Segundo São Jerônimo o primeiro monge eremita cristão foi São Paulo de Tebas, que no ano de 250 foi habitar a solidão do deserto. No entanto, a personalidade de Paulo de Tebas ou a narrativa da sua vida não tiveram sobre o monaquismo nascente a influência  definitiva que Santo Antão exerceu sobre os monges, através da “Vita Antonii” escrita por Santo Atanásio o qual afirma: “para estimular os monges à ascese a vida de Antão é exemplo mais que suficiente”.

Passados séculos, a história comprovou  e confirmou essa afirmativa e Santo Antonio, o Grande (Antão), é considerado “o pai dos monges”.


(imagem: São Paulo de Tebas, o primeiro entre os eremitas, nasceu por volta do ano 227, na Tebaida, no Egito. Em 250 ele se retirou para o deserto, em parte devido à perseguição movida contra os cristãos pelo imperador Décio. Lá levou vida de oração e penitência, vivendo em uma caverna até o fim de seus dias. Repousou em Cristo no ano 341, e foi sepultado por Santo Antão, encaminhado até ele por Deus alguns dias antes de sua morte.)



21.11.23

CIMBRA

 As primeiras tratativas sobre intercâmbio monástico no Brasil principiou no ano de 1967 no chamado «Encontro do Morumbi” no Mosteiro de São Geraldo da congregação húngara. Dom Basílio Penido, OSB, abade de Olinda buscava colocar os mosteiros da congregação brasileira a par das dificuldades iniciais, pois na Congregação Brasileira não se sabia que rumo tomar perante esse movimento de comunhão suscitado pelo Concílio. Alguns se mostravam receosos por causa das mudanças ocasionadas por este. Para uns poucos isso era uma tempestade...

Em 1970 em todos os cinco mosteiros da Congregação Brasileira havia entre professos temporários e noviços 26 irmãos. Destes quatro eram professos de Serra Clara: Irmão Bento Gomes, Irmão Martinho Duarte da Costa, Irmão João Batista Verzenhassi, Irmão Plácido de Araújo. Monges em um mosteiro lendário pela estrita observância da sua disciplina e no entanto, florescente... Não havia portanto porque temer o intercâmbio
Dom Celestino identificava o caráter apostólico da vida monástica, segundo a tradição, como convívio íntimo com o Verbo da vida. Logo em seguida, e como consequência dessa intimidade, a necessidade de e a capacidade de criar fraternidade. Este era um dos fundamentos de Serra Clara, tão característico do espírito beneditino.
Em especial era esta a vocação de Serra Clara na Ordem de São Bento, o entendimento de que a vida apostólica do monge seria a necessidade de transmitir o convívio, a experiência comum de sentir o Cristo. Daí a abertura para as espiritualidades franciscana, carmelitana com o surgimento do grupo Caminhantes da Pequena Via. Não se pode, parece-me, “pregar" o Cristo sem dar o testemunho do impacto da Pessoa e da Palavra do Senhor, em sua própria vida.
U.I.O.G.D


(foto CIMBRA-Rio1970 esq/direita Irmãos: Emanuel, Daniel, Adalberto)

PAX

 Quem conheceu o Mosteiro de Serra Clara impressionava-se, via de regra, com a beleza geográfica da Mantiqueira, com o isolamento e os difíceis seis km da última etapa de acesso, a austeridade da vida, o trabalho manual e todo um séquito de situações quase míticas. Mas o notável, permitam-me, residia na liturgia despojada, na observância integral das horas canônicas do Ofício Divino recitado ou cantado em português.

O mais inovador, quase revolucionário para os padrões monásticos, estava no fato de que no processo formativo do monge de Serra Clara diariamente antes do ofício de Completas, após a leitura da Santa Regra os Irmãos podiam falar livremente uns aos outros na presença do Prior
sobre a organização dos trabalhos e a vida conventual. O Prior coordenava esse tipo de reunião, embora tomando a decisão final conforme a Santa Regra.
Relembro e reafirmo aqui que as visões/opiniões de cada um dos Irmãos era realmente tomada em consideração, mesmo se não fossem utilizadas. Éramos ousados... Daquela ousadia de pensar ser possível, com trabalho e austeridade da parte de cada um alcançar um clima de fraternidade em profundidade. Esta era a vocação de Santa Maria de Serra Clara que a venerável Ordem de São Bento não alcançou preservar.
Em Serra Clara, dou meu testemunho, as reuniões “materiais” mantinham o clima e a orientação da finalidade “pneumática” do Mosteiro. E era esse clima das reuniões “materiais” que preparavam o clima da partilha mais profunda das reuniões “espirituais” onde falar-se-iam das “visões” de cada um, do aprofundamento individual da Santa Regra, dos temas monásticos, das próprias experiências com o Senhor.
Ah Dom Celestino e seus monges sonhadores!..
Benedicite!




Maranathá

 O Mosteiro de Santa Maria de Serra Clara ao ser canonicamente ereto foi dedicado à Imaculada Conceição, a Virgem Puríssima! Durante a sua curta existência experimentou e buscou incansavelmente os diversos graus da oração. Desde a oração vocal do Ofício Divino até à oração contínua do coração. Fizerem esta busca dezenas, talvez centenas de noviços, poucos alcançaram a graça da profissão monástica. Nesta festa da Apresentação de Maria evoco seus nomes na alegre expectativa da volta do Senhor:

Celestino,José Bastos, Martinho Jonhson, Bento Gomes, José Maria Fumagalli.

Mauro, João Batista, Sávio,

Antonio, Emanuel, Sérgio, João Evangelista, Lucas...

                                                                    Ao Rei dos Séculos
                                                                     Imortal e Invisível
                                                                    Ao Deus Único
                                                                    Honra e Glória
                                                                    Por todos os séculos . Amém!



Serra Clara... Monte Sião...






 Conheci suficientemente o mosteiro de Serra Clara para concluir que seu mal foi uma doença que afeta todo o modelo atual de vida monástica: a questão do poder hierárquico. De fato, a tradição espiritual monástica, cristã e de outras correntes, ensina que a graça de ser monge (ou monja) se recebe de um pai ou mãe espiritual. Assim, o abade ou prior exerce uma função importantíssima. Não é apenas administrador ou coordenador da casa ou da província. É alguém que orienta interiormente as pessoas. Tem função semelhante a uma parteira do Espírito, que acompanha o nascimento e crescimento espiritual de cada um/uma a ele ou ela confiado/a. É diferente do que, antigamente, se chamava de “diretor espiritual”. Esta paternidade ou maternidade espiritual só ocorre verdadeiramente se, desde o começo, o noviço pode ser livre. Se não há a liberdade de filho ou filha de Deus não há caminho espiritual cristão. A autoridade espiritual é carisma. Não pode ser apenas cargo institucional.

Atualmente, o papa Francisco tem repetido que o clericalismo é uma praga e mesmo um câncer. Falta dizer que enquanto o ministério for visto como hierarquia (poder sagrado) não se escapa do clericalismo. No modelo hierárquico, tanto quem exerce o poder, como quem tem de se submeter são vítimas de um modelo que adoeceu e adoece a todos, a quem manda e a quem se submete. Foi a doença mortal de Serra Clara
Dom Celestino e seus dois sucessores concentraram poder como clérigos, não como monges exercendo apenas o poder hierárquico. Em um dos seus livros, o padre José Comblin afirma que a liberdade é o que caracteriza absolutamente a vocação cristã. Sem se caminhar para a liberdade interior, não há como ser cristão e monge
O modelo tradicional de vida religiosa na Igreja Católica em Serra Clara e nos demais mosteiros não nos educou para isso. Manu Retumba deixou a Trapa do Novo Mundo exclusivamente por este motivo.No atual modelo das congregações beneditinas e outras Ordens, mesmo em grupos considerados abertos e avançados socialmente, a dimensão jurídica parece mais importante do que a espiritualidade. Haja visto o sucedido com o Mosteiro da Trindade em Monte Sião-MG
Em qualquer família humana há conflitos e, às vezes, os conflitos parecem irresolvíveis. Nem por isso, a solução é excluir filhos ou irmãos. Sem entrar em outros méritos, por princípio, lamento a intervenção do Vaticano no caso de Monte Sião e a solução que foi dada de excluir , principalmente sem atentar a irmãos e irmãs que construíram a comunidade na qual viveram por mais de 25 anos.
Este modelo de Igreja hierárquica e de Cristandade já fez mal suficiente ao mundo.


lembrar a história

 No sul de Minas, perto de Itajubá, fundou-se, em 1956, o Mosteiro de Santa Maria de Serra Clara, com noviciado próprio e uma vida de cunho acentuadamente contemplativo. Em 1957 foi erigido canonicamente. como priorado simples, ficando sob a jurisdição do Abade Presidente da Congregação. Transferido para Pouso Alegre em 2006, modificou o nome para Mosteiro de São Bento e foi erigido em priorado conventual em 2007. Este mosteiro transferiu-se em 2013 para Bolonha, na Itália, assumindo o Mosteiro de Santo Estevão, que era até então um mosteiro de monges beneditinos olivetanos. Compreende um complexo de igrejas e edifícios de grande valor histórico e artístico (Basílica de Santo Stefano). Este mosteiro italiano é agora um priorado conventual da Congregação Beneditina Brasileira. O Mosteiro de Pouso Alegre passou a ser priorado simples em 2014, dependente de Bolonha. No ano seguinte transferiu-se para Frederico Westphalen, no Rio Grande do Sul, mas fechou em 2017. Assim foi o ocaso de Serra Clara.

Nosso Pai São Bento, pelo fim do Prólogo da Santa Regra discorrendo sobre o objetivo da vida monástica diz que “devemos, pois, constituir uma escola do serviço do Senhor. Nesta instituição esperamos nada estabelecer de áspero ou de pesado. Mas se aparecer alguma coisa um pouco mais rigorosa, ditada por motivo de equidade, para correção dos vícios ou conservação da caridade, não fujas logo, tomado de pavor do caminho da salvação que nunca se abre se não por estreito início”. E mais não disse...



efeitos & causas

Olhamos extasiados a máquina capaz de calcular o lucro que dará a próxima colheita de café.             Olhamos com frieza apática a pequena...