16.3.24

efeitos & causas



Olhamos extasiados a máquina capaz de calcular o lucro que dará a próxima colheita de café.
            Olhamos com frieza apática a pequena árvore que produz o café.
            Beijamos embriagados de alegria a criança que geramos. E não sabemos beijar com carinho as mãos daqueles que um dia nos fizeram ser crianças.
            Agitamos com vaidade, como uma bandeira, o diploma conquistado. E nos esquecemos dos mestres que tornaram o diploma possível para nós.
            É que somos dos efeitos. Não nos preocupamos com as causas.
 

13.3.24

consagração

Independentemente de ser religiosa ou não, vida consagrada é a consagração da vida oferecida.
            A consagração da vida se faz a partir de um jeito humano de viver e quanto mais humano for, mais consagrado pode ser e quanto menos humano se mostrar, menos com-0-sagrado será.
            Conclusão: pra que doutorar-se estudando a Bíblia se eu posso apenas viver bem e em paz com o vizinho?


 

"te amo"



Quando verdadeiramente se diz: “eu te amo”, esta frase explode e implode um derradeiro sentido para dentro e para fora da vida.
O amor não é uma parte do ser humano. É uma maneira de existir. É o modo de ser próprio do homem. Amar é transcender, romper os limites, recusar aceitar qualquer palavra como palavra final. Torna-se uma realidade espiritual tanto quanto material. É esse espírito-amor que torna o humano diferente do animal. O animal se ajusta à natureza que o circunda, seu interior é igual ao exterior.
O homem-espírito que ama é diferente do animal; nele o possível excede infinitamente o real. E ele se dimensiona para as possibilidades abertas. Não capta somente o real; capta e se extasia pelo possível ainda-não-experimentado. Passa a sonhar no sono e acordado. A capacidade de fantasiar, de acrescentar sempre algo à realidade, faz com que se recuse a aceitar qualquer estrutura dada e feita como termo de sua busca de amar. Ele está sempre para além. Encontra-se aberto não somente a isto e àquilo; é abertura total, nó de relações voltado para todas as direções.


 

Irmãos Karamazov


Especial realce em os Irmãos Karamazov, o destaque dado por Dostoievski ao eterno conflito do cristianismo. O conflito entre o rígido, autoritário, farisaico asceta Teraponte, que se livra do mundo com enorme esforço e se sente em seguida autorizado a rogar-lhe pragas, e o staretz(*) Zossimo, o bondoso, compassivo homem de oração que se identifica com os pecadores e os que sofrem no mundo de maneira a atrair sobre estes a benção de Deus.

Realço o fato de que, no século XXI estamos cada vez mais interessados no tipo Zossimo. Este gênero de espírito religioso é antes carismático que institucional. Precisa muito menos da estrutura rígida das religiões e está totalmente entregue à obediência ao espírito de Deus, testado pelos frutos da humildade e do amor compassivo. É um tipo de religiosidade que bem pode florescer em situações fora do comum e em qualquer situação de vida.


(*) Staretz, nome com que se indica o monge sábio, ancião, no monaquismo russo.


 

22.2.24

Horizonte indefinido




Muitos já disseram que estamos não apenas em uma época de mudanças, mas uma mudança de época. Em todo o mundo, se fala em crise econômica, desemprego estrutural, aumento da pobreza, violência urbana, migrações desordenadas e um abalo fundamental nos valores éticos e sociais. A crise ecológica ameaça o futuro do planeta. A urbanização do mundo e a nova sociedade baseada no conhecimento e na informática mudaram radicalmente a cultura, a economia e a forma do ser humano relacionar-se consigo mesmo, com o outro e com a natureza. Nós vivemos este momento de transição de um tipo de civilização a outra.
     É difícil definir os contornos precisos da crise e como esta se expressa. Além do desastre que o capitalismo neo-liberal tem provocado, percebemos que há uma mudança de cultura na forma se relacionar com presente, o passado e o futuro. Na obra “Le Christianisme a-t-il son temps?”, Jean-Marie Ploux distingue três etapas da humanidade: a da tradição, a da modernidade e a da relatividade. Até o século XVIII, a cultura era medida pelo seu passado. O presente era refém do tradicionalismo. Com o Iluminismo e o Marxismo, o presente aspirava orientar-se à luz de construções ideológicas do futuro. Com o fim das ideologias, o presente vacila. Falta um horizonte definido. Parece que as pessoas vivem o momento presente, sem projeto definido e sem perspectivas maiores do que o aqui e agora. Embora muita gente tente se defender no presente agarrando-se ao passado, o mundo parece um imenso avião cruzando o oceano da vida, sem radar nem acesso aos instrumentos de navegação. Não temos mais bússolas, a não ser o aqui e agora. Diante disso, qual a reação dos educadores e educadoras? Há quem procure salvação na lei e nas estruturas. Parece que os movimentos que mais crescem no mundo atual são os movimentos fundamentalistas, tanto no plano religioso, como no plano social e no nível político. A própria sociedade tem esta tendência em tempos de crise. Em vários países, jovens são mais conservadores do que seus pais.   
     Quem descobriu com São Paulo que a salvação não poderá vir da lei, sabe que a rigidez, o conservadorismo não vai mudar nada, a não ser as aparências e ainda com o risco de tornar a sociedade menos adaptada ao mundo atual. É preciso assumir os riscos, superar o medo e a tendência de ficar na defensiva.   
     A filósofa e espiritual Simone Weil afirmava: “Conheço quando alguém é de Deus não pela forma como fala de Deus, mas pelo modo como se relaciona com a vida e com o mundo”. Poderíamos, hoje, dizer isso não apenas sobre Deus, mas sobre a espiritualidade como abertura ao outro e disponibilidade de sempre aprender do diferente. É um principio de vida, um modo de viver e no qual nos comprometemos amorosamente com o outro. 
     Para isso, não há receitas.

 

 

O toque




Conta uma lenda árabe  que um  rapaz e uma moça andavam por caminhos diferentes. Em um determinado trecho, os dois caminhos se cruzavam, o que provocou o encontro dos jovens. Após uma pequena apresentação, os dois resolveram, a partir daquele momento, caminhar juntos. Depois de algum tempo, avistaram uma alta montanha. Para atravessá-la, os viajantes deveriam passar por um túnel. A moça parou à entrada do túnel e disse ao rapaz: "Eu não entrarei com você neste túnel!" "Por que não?", perguntou o jovem. "Você poderia me abraçar e dar um beijo!", respondeu a moça. "Como eu poderia fazer isso?", tentou se defender o jovem, "eu tenho uma mochila nas costas, meu cajado em uma das mãos e na outra minha ovelha!" Mas a moça continuou a manter sua opinião: "Você poderia me pedir para segurar a ovelha, fincar o cajado no chão e jogar a mochila em um canto e então estaria livre para, por exemplo, me beijar". O jovem olhou a moça, com admiração, durante um determinado tempo e finalmente disse: "Que Deus abençoe sua sabedoria!" Logo em seguida os dois entraram no túnel!
    A nossa compreensão sobre a realidade é sempre influenciada por fatores que a ampliam ou a limitam. A amplitude ou limitação do conhecimento sobre as coisas está sempre relacionada com o poder de ver e sentir o conteúdo do momento presente. Os nossos horizontes, porém, são ampliados não somente pelas novas experiências que fazemos, mas também à medida que compartilhamos nossas idéias com outras pessoas. Cada encontro com outros seres humanos é, portanto, uma troca de visões diferentes da realidade.


 

21.2.24

Quaresma 2024



Vida em justiça

Não acredito na era social do homem, nessa espécie de fraternidade legal, com suas regras e seus guardas, mas na vida do reino livre e vitorioso do amor. O que é preciso, o que determinará tudo, o que tudo resolverá, é amar-se. Realmente, fraternidade legal não livra da escravidão, isto é, a tendência tão humana de dominar o outro nos vários campos das manifestações humanas. Não basta uma legislação impecável para que o comportamento humano seja impecável. E eu penso: nós reformamos e atualizamos nossos estatutos e nossa legislação. Elaboramos peças que, como indicadores de caminhada, são excelentes. Todas elas geradas com cuidado, estudo, trabalho, capacidade e muita esperança. Mas quem as vai pôr em execução é o homem. E o homem melhora de dentro para fora. Se no fundo dele mesmo não plantou o amor e não se deixou empolgar, então está dando origem a uma fraternidade legal, com a frieza e demarcação exata de toda legislação. "É o "ouvistes o que foi dito aos antigos ... "Nós, porém, somos convidados a concretizar o "eu porém vos digo ... ", onde não há contagem de passos, de peças, de horas de servir, de bocados de pão, de vezes de perdão. Onde a justiça é uma visão nova do outro e consequentemente, não resta mais lugar para um dominar o outro, porque "aquele dentro de vós que tiver desejos de ser omaior, torne-se o servo dos outros", ainda mais quando Paulo diz: "não há servo ou homem livre, varão ou mulher" (Gl 3,28).

É o momento da igualdade!..


 

efeitos & causas

Olhamos extasiados a máquina capaz de calcular o lucro que dará a próxima colheita de café.             Olhamos com frieza apática a pequena...